duminică, septembrie 09, 2007

"Terras para estrangeiros: um negócio bilionário na zona cinzenta"

"por Augusto Ribeiro Garcia
A aquisição de terras no Brasil por pessoa estrangeira, embora disciplinada por legislação específica, está passando por um período no mínimo tenebroso. Aquecido pela onda do etanol, o mercado está em plena expansão. Só que essa explosão imobiliária está sendo feita sob a égide de um mero parecer jurídico cuja eficácia é posta em dúvida por juristas e até por autoridades do próprio Incra.
A apropriação de imensas áreas de terras brasileiras por estrangeiros, além de arranhar a legislação, atualmente ela representa uma concorrência desleal para o agronegócio. Isto porque as empresas estrangeiras que estão começando a atuar nessa área inflacionam o mercado de terras e de todos os insumos da cadeia produtiva em detrimento dos produtores nacionais. Autoridades do Incra dizem que há indícios até de lavagem de dinheiro e tráfico por traz dessa onda de negócios.
Legislação
A lei específica que cuida dessa questão é da década de 1970, quando a segurança nacional era levada muito a sério. Foi, então, que surgiu a rigorosa Lei nº 5.709, de 7 de outubro de 1971, que, na aquisição de imóvel rural, impõe uma vasta lista de restrições às pessoas físicas estrangeiras aqui residentes e às pessoas jurídicas autorizadas a funcionar no País. Ela foi regulamentada pelo Decreto nº 74.965/74 e ambos estão em pleno vigor.
Para se ter uma idéia do rigor da lei, basta dizer que em seu texto existem pelo menos 23 restrições ou enquadramentos para que o estrangeiro possa adquirir um imóvel rural no Brasil. A pessoa física só pode comprar se residir aqui e a dimensão do imóvel não pode ser superior a 50 módulos em área contínua ou descontínua. Abaixo disso, a aquisição é livre, com as ressalvas da lei. Nos loteamentos de colonização particular, a aquisição e a ocupação têm de ser obrigatoriamente, no mínimo, de 30% por brasileiros. A soma das áreas pertencentes a estrangeiros não pode ultrapassar a um quarto da superfície do município onde elas se localizam. E estrangeiros da mesma nacionalidade não podem ser proprietários de mais de 40% da área de um mesmo município.
Já a pessoa jurídica estrangeira só pode comprar terras no País se elas se destinarem à implantação de projetos agrícolas, pecuários, industriais ou de colonização, vinculados aos seus objetivos estatutários. Esses projetos precisam ser aprovados pelo Ministério da Agricultura, depois de ouvido o órgão federal de desenvolvimento regional da respectiva área. As empresas estrangeiras constituídas na forma de S/A devem ter obrigatoriamente suas ações na forma nominativa quando se dedicarem a loteamentos rurais, exploração de áreas rurais ou sejam proprietárias de imóveis rurais não vinculados às suas atividades estatutárias. Tanto a pessoa física como a jurídica estrangeiras não podem adquirir terras na faixa de fronteiras.
Burocracia
Qualquer transação imobiliária envolvendo alienação de terras para estrangeiro, a escritura, obrigatoriamente, terá de ser por instrumento público. Os cartórios de registro de imóveis são obrigados a enviar trimestralmente às autoridades do setor (Ministério da Agricultura e Incra) a relação das escrituras lavradas em nome de estrangeiros. O tabelião só pode lavrar a escritura com autorização do Incra, depois de feita a certificação pelo órgão. Qualquer escritura que for lavrada em desacordo às restrições da lei será nula de pleno direito. E nesse caso, tanto os tabelionatos que a lavrar quanto os de registro, que a registrar, responderão civil e criminalmente pelos seus atos. Já o alienante fica obrigado a devolver ao comprador o valor recebido pela venda desautorizada.
Camuflagem legal
A aquisição de terras por estrangeiros sempre foi um assunto palpitante no Brasil. O caso mais conhecido até hoje foi o do famoso Projeto Jari, no Pará, protagonizado pelo milionário norte americano Daniel Ludwig. Antes que o escândalo explodisse, Ludwig e governo entraram num acordo nos moldes do jeitinho brasileiro e o caso foi encerrado. Além deste, correm veladamente nos bastidores boatos de que uma seita oriental seria dona de imensas áreas em Mato Grosso do Sul onde ela estaria fazendo até treinamento militar entre seus adeptos e em cujos locais as autoridades brasileiras não teriam acesso.
Mas a camuflagem da lei para dar ênfase a esse negócio bilionário, intencional ou não, começou com a Emenda Constitucional nº 35. Precisando captar recursos no exterior para investimos no País, o governo brasileiro conseguiu aprovar essa Emenda e revogar o artigo 171 da Constituição, que definia os conceitos de empresa brasileira e empresa brasileira de capital nacional. Com isso, abriu-se a brecha para a entrada de capital estrangeiro no País em todas as áreas da economia. Só que o legislador esqueceu de criar uma ressalva na lei para as restrições que sempre foram impostas a estrangeiros: imóveis rurais e comunicações (empresas jornalísticas, rádio, TV etc). Mas a Emenda 35 revogou apenas o artigo 171 da Constituição e não tocou absolutamente em nada na Lei 5.709 e seu regulamento. Eles estão em pleno vigor.
Depois de revogado o artigo 171 da CF, o Incra 'descobriu' a besteira cometida pela Emenda 35. Pois, ao entrar com o capital nas empresas do País, os estrangeiros poderiam imobilizar esse capital em terras. A saída foi encomendar um parecer jurídico de algum órgão do setor (Ministério da Agricultura ou outro da mesma área). A palavra final acabou saindo da Advocacia Geral da União, por meio do Parecer nº GQ-181, de dezembro de 1998, subscrito pelo então advogado-geral da União, Geraldo Magela Quintão.
Esse parecer é um verdadeiro malabarismo jurídico, que é embasado apenas na revogação do artigo 171 da Constituição, e não se atém em momento algum aos dispositivos da Lei 5.709 e seu regulamento. E, como se sabe, um parecer não é lei e nem tem o condão de passar por cima dela. Ele é uma simples opinião de uma única pessoa que não está investida do poder de legislar, que é competência exclusiva do Congresso. O máximo que se pode extrair de um parecer é esclarecer alguma dúvida de um caso concreto e apenas isso. Ocorre que esse parecer é o que está servindo de lei para legalizar a venda de terras para estrangeiros, camuflada no bojo de empresas nacionalizadas com capital externo.
Negócios escusos
Os próprios procuradores do Incra acham essa situação muito estranha, alegando que a lei específica simplesmente está sendo ignorada. Maria Cecília Ladeira de Almeida, procuradora-geral do órgão em São Paulo, vai mais além. Ela afirma que, por traz da mera aquisição de terras por grandes grupos estrangeiros está a lavagem de dinheiro e até o tráfico internacional de drogas. Já os agentes que atuam no campo dizem que as empresas estrangeiras, principalmente as madeireiras tailandesas que operam em projetos de manejo sustentável, jamais observam a legislação ambiental a que estão subordinadas. Dizem que essa conduta também é praticada por empresas de outras nacionalidades, embora em menor escala.
A grita generalizada entre os proprietários brasileiros é de que essa invasão dos estrangeiros tem causado uma concorrência desleal na cadeia produtiva do agronegócio. 'Eles inflacionaram o mercado de terras e de todos os insumos agrícolas', dizem.
Augusto Ribeiro Garcia é advogado agrarista."