duminică, septembrie 09, 2007

"Terras para estrangeiros: um negócio bilionário na zona cinzenta"

"por Augusto Ribeiro Garcia
A aquisição de terras no Brasil por pessoa estrangeira, embora disciplinada por legislação específica, está passando por um período no mínimo tenebroso. Aquecido pela onda do etanol, o mercado está em plena expansão. Só que essa explosão imobiliária está sendo feita sob a égide de um mero parecer jurídico cuja eficácia é posta em dúvida por juristas e até por autoridades do próprio Incra.
A apropriação de imensas áreas de terras brasileiras por estrangeiros, além de arranhar a legislação, atualmente ela representa uma concorrência desleal para o agronegócio. Isto porque as empresas estrangeiras que estão começando a atuar nessa área inflacionam o mercado de terras e de todos os insumos da cadeia produtiva em detrimento dos produtores nacionais. Autoridades do Incra dizem que há indícios até de lavagem de dinheiro e tráfico por traz dessa onda de negócios.
Legislação
A lei específica que cuida dessa questão é da década de 1970, quando a segurança nacional era levada muito a sério. Foi, então, que surgiu a rigorosa Lei nº 5.709, de 7 de outubro de 1971, que, na aquisição de imóvel rural, impõe uma vasta lista de restrições às pessoas físicas estrangeiras aqui residentes e às pessoas jurídicas autorizadas a funcionar no País. Ela foi regulamentada pelo Decreto nº 74.965/74 e ambos estão em pleno vigor.
Para se ter uma idéia do rigor da lei, basta dizer que em seu texto existem pelo menos 23 restrições ou enquadramentos para que o estrangeiro possa adquirir um imóvel rural no Brasil. A pessoa física só pode comprar se residir aqui e a dimensão do imóvel não pode ser superior a 50 módulos em área contínua ou descontínua. Abaixo disso, a aquisição é livre, com as ressalvas da lei. Nos loteamentos de colonização particular, a aquisição e a ocupação têm de ser obrigatoriamente, no mínimo, de 30% por brasileiros. A soma das áreas pertencentes a estrangeiros não pode ultrapassar a um quarto da superfície do município onde elas se localizam. E estrangeiros da mesma nacionalidade não podem ser proprietários de mais de 40% da área de um mesmo município.
Já a pessoa jurídica estrangeira só pode comprar terras no País se elas se destinarem à implantação de projetos agrícolas, pecuários, industriais ou de colonização, vinculados aos seus objetivos estatutários. Esses projetos precisam ser aprovados pelo Ministério da Agricultura, depois de ouvido o órgão federal de desenvolvimento regional da respectiva área. As empresas estrangeiras constituídas na forma de S/A devem ter obrigatoriamente suas ações na forma nominativa quando se dedicarem a loteamentos rurais, exploração de áreas rurais ou sejam proprietárias de imóveis rurais não vinculados às suas atividades estatutárias. Tanto a pessoa física como a jurídica estrangeiras não podem adquirir terras na faixa de fronteiras.
Burocracia
Qualquer transação imobiliária envolvendo alienação de terras para estrangeiro, a escritura, obrigatoriamente, terá de ser por instrumento público. Os cartórios de registro de imóveis são obrigados a enviar trimestralmente às autoridades do setor (Ministério da Agricultura e Incra) a relação das escrituras lavradas em nome de estrangeiros. O tabelião só pode lavrar a escritura com autorização do Incra, depois de feita a certificação pelo órgão. Qualquer escritura que for lavrada em desacordo às restrições da lei será nula de pleno direito. E nesse caso, tanto os tabelionatos que a lavrar quanto os de registro, que a registrar, responderão civil e criminalmente pelos seus atos. Já o alienante fica obrigado a devolver ao comprador o valor recebido pela venda desautorizada.
Camuflagem legal
A aquisição de terras por estrangeiros sempre foi um assunto palpitante no Brasil. O caso mais conhecido até hoje foi o do famoso Projeto Jari, no Pará, protagonizado pelo milionário norte americano Daniel Ludwig. Antes que o escândalo explodisse, Ludwig e governo entraram num acordo nos moldes do jeitinho brasileiro e o caso foi encerrado. Além deste, correm veladamente nos bastidores boatos de que uma seita oriental seria dona de imensas áreas em Mato Grosso do Sul onde ela estaria fazendo até treinamento militar entre seus adeptos e em cujos locais as autoridades brasileiras não teriam acesso.
Mas a camuflagem da lei para dar ênfase a esse negócio bilionário, intencional ou não, começou com a Emenda Constitucional nº 35. Precisando captar recursos no exterior para investimos no País, o governo brasileiro conseguiu aprovar essa Emenda e revogar o artigo 171 da Constituição, que definia os conceitos de empresa brasileira e empresa brasileira de capital nacional. Com isso, abriu-se a brecha para a entrada de capital estrangeiro no País em todas as áreas da economia. Só que o legislador esqueceu de criar uma ressalva na lei para as restrições que sempre foram impostas a estrangeiros: imóveis rurais e comunicações (empresas jornalísticas, rádio, TV etc). Mas a Emenda 35 revogou apenas o artigo 171 da Constituição e não tocou absolutamente em nada na Lei 5.709 e seu regulamento. Eles estão em pleno vigor.
Depois de revogado o artigo 171 da CF, o Incra 'descobriu' a besteira cometida pela Emenda 35. Pois, ao entrar com o capital nas empresas do País, os estrangeiros poderiam imobilizar esse capital em terras. A saída foi encomendar um parecer jurídico de algum órgão do setor (Ministério da Agricultura ou outro da mesma área). A palavra final acabou saindo da Advocacia Geral da União, por meio do Parecer nº GQ-181, de dezembro de 1998, subscrito pelo então advogado-geral da União, Geraldo Magela Quintão.
Esse parecer é um verdadeiro malabarismo jurídico, que é embasado apenas na revogação do artigo 171 da Constituição, e não se atém em momento algum aos dispositivos da Lei 5.709 e seu regulamento. E, como se sabe, um parecer não é lei e nem tem o condão de passar por cima dela. Ele é uma simples opinião de uma única pessoa que não está investida do poder de legislar, que é competência exclusiva do Congresso. O máximo que se pode extrair de um parecer é esclarecer alguma dúvida de um caso concreto e apenas isso. Ocorre que esse parecer é o que está servindo de lei para legalizar a venda de terras para estrangeiros, camuflada no bojo de empresas nacionalizadas com capital externo.
Negócios escusos
Os próprios procuradores do Incra acham essa situação muito estranha, alegando que a lei específica simplesmente está sendo ignorada. Maria Cecília Ladeira de Almeida, procuradora-geral do órgão em São Paulo, vai mais além. Ela afirma que, por traz da mera aquisição de terras por grandes grupos estrangeiros está a lavagem de dinheiro e até o tráfico internacional de drogas. Já os agentes que atuam no campo dizem que as empresas estrangeiras, principalmente as madeireiras tailandesas que operam em projetos de manejo sustentável, jamais observam a legislação ambiental a que estão subordinadas. Dizem que essa conduta também é praticada por empresas de outras nacionalidades, embora em menor escala.
A grita generalizada entre os proprietários brasileiros é de que essa invasão dos estrangeiros tem causado uma concorrência desleal na cadeia produtiva do agronegócio. 'Eles inflacionaram o mercado de terras e de todos os insumos agrícolas', dizem.
Augusto Ribeiro Garcia é advogado agrarista."

marți, mai 15, 2007

"Rumo à nova arquitetura geopolítica"

"por Fábio Feldmann
A mídia tem tratado insistentemente do tema do aquecimento global, divulgando com grande intensidade as conclusões da comunidade científica. O IPCC - Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas, criado em 1988, representa o 'estado da arte' no que tange ao tema das mudanças climáticas e por esta razão é a voz mais autorizada sobre a matéria, ainda que seus relatórios sejam submetidos ao escrutínio político dos governos, o que se por um lado pode atenuar as suas conclusões, por outro legitima as mesmas.
Durante os primeiros anos de discussão sobre o aquecimento global, o foco da controvérsia esteve em se determinar se a responsabilidade pelo mesmo era da Humanidade ou se o clima do planeta estaria sujeito a ciclos naturais de aquecimento e esfriamento, de modo que estaríamos diante de um fenômeno absolutamente natural. Nesse contexto se realizou a Conferência do Rio - Cúpula Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, em 1992, resultando na Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima e em 1997 no Protocolo de Kyoto. O presidente Bush ao assumir a presidência dos EUA no ano 2000 retirou os EUA do Protocolo e solicitou à Academia Americana de Ciências americana que verificasse as opiniões do IPCC, no sentido de confirmar ou não a idéia de que o aquecimento global seria um fenômeno real e da responsabilidade das atividades humanas, fundamentalmente através da queima de combustível fóssil.
A Academia Americana de Ciências corroborou as conclusões do IPCC daquele momento, posto que este elabora relatórios a cada 5 anos. O último está em fase final de negociação, tendo sido divulgados três sumários executivos parciais nesses primeiros meses de 2007, e um quarto previsto para outubro, no Rio de Janeiro. O importante a ser enfatizado nesses relatórios é a conclusão de que o aquecimento global é um fenômeno em curso, com conseqüências dramáticas e o mais importante é que as medidas a serem tomadas devem ser resultado de um 'pacto' da Humanidade em prol do mundo em que vivemos, ou seja, há que se criar condições de se manter o equilíbrio climático do planeta.
Este 'pacto' significa mudanças radicais no paradigma da sociedade contemporânea, a começar pela busca de alternativas aos combustíveis fósseis, sendo para tanto necessária uma nova arquitetura geopolítica, razão pela qual há tamanha resistência por parte dos republicanos nos EUA e de setores econômicos como da indústria de petróleo, bem como de seus países produtores. Entretanto, essa resistência está esmorecendo exatamente pela gravidade e riscos que o aquecimento global está trazendo, a exemplo da constatação do degelo do Ártico e de parte da Antártida, que não foram levados em conta pelo IPCC simplesmente porque há 5 anos atrás esse degelo não era perceptível e a própria comunidade científica subestimou o impacto do aquecimento no gelo milenar dessas regiões.
Do ponto de vista cientifico, é necessário se fazer um alerta sobre a ignorância da ciência acerca do clima no planeta, exatamente por se tratar de um sistema complexo e não linear, de modo que se torna difícil fazer previsões com alto grau de certeza. Quer dizer que a partir de agora a Humanidade terá que ser cada vez mais prudente na sua relação com a natureza, sob risco de pagar preços altíssimos pela sua irresponsabilidade. Voltando ao aquecimento global, podemos afirmar que as emissões de carbono na atmosfera que estão comprometendo o clima do planeta ocorreram fundamentalmente nos últimos 60 anos, ou seja, no período de industrialização ocorrido a partir da segunda guerra mundial. Em um período de duas gerações se lançou tal volume de carbono na atmosfera que estamos prestes a viver períodos de grande instabilidade no clima com conseqüências em toda a economia e vida da sociedade.
No último sábado esteve em São Paulo o ex-vice-presidente norte-americano Al Gore, cujo filme Uma Verdade Inconveniente mereceu um Oscar. Conheço Al Gore desde 1988 quando esteve no Brasil visitando a Amazônia, cujo desmatamento é o principal responsável pelo Brasil ser considerado um dos grandes emissores do planeta. A sua contribuição para o debate é incontestável, sendo que um dos eixos de sua campanha presidencial em 2000 era a participação dos EUA no Protocolo de Kyoto, o que é fundamental já que este país é o maior emissor de gases efeito estufa do planeta e sem o seu engajamento torna-se frágil qualquer compromisso. De lá para cá muitas iniciativas demonstram um isolamento da posição do presidente Bush, como por exemplo, iniciativas de vários estados americanos criando legislação sobre o assunto, entre eles a Califórnia de Arnold Schwarzenegger.
Entretanto, há que se assinalar que o filme no seu final, no que tange às medidas a serem tomadas de combate ao aquecimento global é tímido, valendo mencionar que é fundamental um fortalecimento das metas de Kyoto, inclusive devendo as mesmas cobrir países como Brasil, China e Índia, porque o esforço certamente é global, ainda que leve em consideração as diferenças entre os países. No caso da China e Índia, devido à magnitude de suas populações, há que se ter criatividade no sentido de se encontrar formas inteligentes de se promover a sustentabilidade e o desenvolvimento de modo simultâneo. No caso do Brasil, ainda que haja necessidade de se adotar os mesmos critérios aplicáveis aos indianos e chineses, há que se lembrar que é o desmatamento o grande vilão, sendo perfeitamente possível combatê-lo se houver vontade política e a noção clara de que o mesmo está associado ao que há de pior na nossa sociedade: impunidade que estimula a delinqüência socioambiental.
Fabio Feldmann é consultor, advogado, administrador de empresas, secretário executivo do Fórum Paulista de Mudanças Climáticas Globais e de Biodiversidade e fundador da Fundação SOS Mata Atlântica. Foi deputado federal, secretário do Meio Ambiente do Estado de São Paulo. Dirige um escritório de consultoria, que trabalha com questões relacionadas ao desenvolvimento sustentável."
Fonte: Portal Terra.

sâmbătă, aprilie 21, 2007

"A missão de cada um: os desafios das catástrofes anunciadas como conseqüência do aquecimento global"

"por Delze dos Santos Laureano
O totalitarismo, a experiência política fundamental do Século XX, despertou em Hannah Arendt o pensar e o engajamento na Política. O acontecimento marcante deste despertar foi o incêndio no Reichstag – o parlamento alemão. Os estudiosos da obra de Arendt afirmam que foi exatamente a partir da experiência do totalitarismo que encontramos o brilho, a lucidez e a originalidade no pensamento da autora. Para Arendt o pensar surge toda vez que o homem defronta com alguma dificuldade, que o leva a tomar novas decisões. Por isso, o pensar significa, sempre, um novo começo; ele representa, sempre uma aproximação, pelo homem, de sua essência: o início.
Podemos então concluir que foi o contexto da experiência totalitária do século XX que iluminou a reflexão de Hannah Arendt sobre a Política. Suas reflexões são referências fundamentais para nós hoje, quando ao primeiro sinal na fraqueza no agir humano, abandonamos a esperança de construirmos, ainda nesta existência, as possibilidades de uma vida justa em sociedade.
Partindo do pensamento de Hannah Arendt, acredito que os desafios que estão por vir, as catástrofes anunciadas em vista do aquecimento global, têm de, no mínimo, fazer-nos voltar à nossa própria essência: o início. As dificuldades presentes, que já são muitas, e as anunciadas para um tempo breve, devem nos levar, a todos, ao pensar. Mais do que pensar, que é apenas o começo, precisamos retomar comportamentos e atitudes que devem ser levadas a sério, e imediatamente.
Há poucos dias, ouvi um amigo dizer que atribuir ao homem, de forma genérica, a responsabilidade por todas as mazelas ambientais atuais e que levaram ao anúncio do aquecimento global, da redução da camada de ozônio na atmosfera e da mudança sem precedentes no clima, é injusto e ideológico. Essa atribuição, segundo ele, encobre questões muito mais abrangentes. Defende que os maiores causadores das agressões ao meio ambiente são as empresas capitalistas, como as mineradoras, os governos dos países chamados 'desenvolvidos' que formularam suas políticas assentadas em premissas de exploração sem medida dos bens naturais e sem considerar a capacidade limitada do planeta em recuperar as enormes agressões sofridas. Também as conseqüências desta política capitalista radical à revelia das camadas mais desprotegidas da sociedade e as opções por um modo de vida insustentável em sua essência. Um exemplo: o transporte individual em automóveis, onde cada carro leva apenas uma pessoa, mas queima enorme quantidade de combustível fóssil. As montadoras, indiferentes, insistem no aumento de suas vendas.
Tenho de concordar que as maiores depredações ambientais, as maiores intervenções negativas ocorrem como conseqüência de uma demanda exacerbada de matéria prima como os bens minerais, os produtos primários para a geração de energia, ou até mesmo alimentos, produzidos agora em escala industrial. Também a incapacidade de estender a toda a população mundial os modos de vida condizentes aos novos costumes, já que a maioria da população é atirada ao consumo perdendo sua herança cultural e sem recursos econômicos para tratar adequadamente os resíduos produzidos. Basta ver a quantidade de sacolas plásticas, fraudas descartável e garrafas de plástico boiando nas águas dos rios e nas praias.
Nesse novo modo de produção, que se instaurou com a modernidade, especialmente a partir da Revolução Industrial, impera a exigência da rapidez alucinante na produção de mercadorias e o gasto cada vez maior de energia em todas as fases do processo. Inclusive para dar os acabamentos que fazem parte do modo de vida denominado 'moderno': muita embalagem plástica, muito isopor, embalagem dupla, tripla, papel sobre papel, muito produto químico. É o império da aparência, das coisas e das pessoas.
Todavia, volto ao pensar. Não sei se na atual conjuntura basta descobrir de quem é a culpa. O certo já foi anunciado: o risco agora é de todos. As conseqüências, certamente, chegarão primeiro às camadas empobrecidas e às mais desprotegidas, aos que moram nas áreas de risco, nos casebres frágeis, às nações que não dispõem de recursos para suportar situações de calamidade.
O mundo científico deu a notícia. No Brasil a região mais atingida será o Nordeste com a desertificação. Dos continentes, o que será assolado pela fome, exatamente pela incapacidade na produção de alimentos suficientes face às condições climáticas, será o africano. As tempestades, cada vez mais violentas, atingirão as áreas costeiras e as regiões onde vivem povos tradicionais, como as ilhas do Pacífico.
Assim, sendo o risco de todos, acredito que cada um tem de fazer algo. Se não conseguimos lutar de frente contra o capitalismo, podemos destruir os seus pés de barro, começando por entender de que forma fomos engolidos, em tão pouco tempo, por todas essas mazelas capitalistas. Quero aqui fazer uma digressão. Quero voltar ao tempo, como fez o Amanuense Belmiro de Ciro dos Anjos: 'Se digo tolice, ou apenas repito idéias velhas, que me perdoem: adquiri neste escritório da Rua Erê, o hábito de filosofar e fico horas e horas a pensar em certos fenômenos.'
Em Ciro dos Anjos aprendi a ser assim: 'A cada instante, mergulho no passado e nele procuro uma compensação, as secretas forças da vida trazem-me de volta à tona e encontram meios de entreter-me com as insignificâncias do cotidiano. Pelo oposto, é comum, quanto o atual me reclama a energia ou o pensamento, que estes se diluam e o espírito de desvie para outras paisagens, nelas buscando abrigo. Tais solicitações contrárias, em luta constante, levam-me às vezes a tão subitâneas mudanças de plano, que minha vida, na realidade, se processa em arrancos e fugas, intermináveis e sucessivos, tornando-se ficção, mera ficção, que se confunde no tempo e no espaço.'
Quero resgatar o tempo e o espaço. Momentos em que fui feliz, vivendo de modo muito mais simples do que vivo hoje. Estou convicta que o fato de dispormos hoje de tantos luxos, de tantas oportunidades de consumo não nos tornaram mais felizes.
Nasci numa pequena cidade do interior de Minas. Somos cinco irmãos, filhos de pequenos proprietários rurais. Crescemos sem grandes privações, mas também sem nenhum luxo. Todas as despesas da casa eram muito bem pensadas. Meu pai sempre evitou fazer dívidas. Estudamos em uma escola pública estadual onde estudavam todas as crianças e jovens da cidade. Os mais estudiosos, depois vinham para Belo Horizonte para fazer um curso superior. Normalmente, sem dificuldades, passavam no vestibular e se tornaram bons profissionais.
Lembro-me que tínhamos poucas roupas. Todos sabiam que crianças crescem rápido e perdem as roupas ainda novas. O sapato era um só, para ir à escola, para ir à missa e para passear. Os cadernos eram comprados aos pacotes. Brochuras iguais para todos. Cada um encapava ao seu gosto. A criatividade era muita. Os brinquedos eram os mesmos para todos os filhos: bolas, lápis para desenhar, gaiolas de passarinho, papagaios de papel colorido, bolas de vidro, cordas para pular muito. Brincavam as mesmas brincadeiras menina (eu) e os meninos. As nossas refeições diárias eram extremamente simples: café com leite, bolo ou quitanda pela manhã. Se não tinha o que acompanhar o leite, podia ser banana assada, cozida, fubá suado, um ovo cozido ou frito. No almoço, feijão, arroz, uma verdura da horta da casa, refogada, uma carne, mas nem todo dia. À tarde minha mãe sempre fazia um delicioso bolo de fubá, com o creme que sobrava do queijo ou do requeijão que era feito para ser vendido. De vez em quando a mesa era enriquecida com o queijo produzido em casa. No jantar, sopa ou uma bela canjiquinha.
Água, gastávamos muito pouco. Somente fomos dispor de água encanada dentro de casa na década de 1970. Até então as vasilhas eram lavadas numa bica d’água que corria dia e noite na porta da cozinha. Água que depois juntava-se a um rego maior que tocava o moinho de pedra ou o monjolo. Hoje esta água praticamente secou. Televisão, somente fomos ter uma na década de 1980. Às tardes, brincávamos no terreiro até que a noite caísse. Eram os momentos de escutar os causos dos trabalhadores que voltavam da lida nas roças de milho e feijão, as estórias do meu pai, momento de curtir a volta dos bezerrinhos para o curral e ver os burrinhos que puxavam lenha para vender na cidade tomar banho na poeira. Líamos muito e ouvíamos muitas histórias, à luz tênue do lampião de querosene ou da lamparina. Lembro-me, agora de Cora Coralina que já notara: 'Antigamente as casas eram muito simples, os luxos ficavam para as igrejas...'
Hoje, morando em Belo Horizonte, quando almoço em restaurantes self service, penso no quanto é inútil comermos tantas variedades, tudo no mesmo dia. Os alimentos tornaram-se sem graça para nós, já que nada mais é novidade. Todos os dias podemos comer, do antes tão cobiçado pudim de leite condensado, às maças vermelhas que aromatizavam a casa inteira, ou qualquer fruta durante todo o ano. Antes só comíamos as frutas da época. Que delícia o tempo das goiabas vermelhas maduras! Saborear um franco caipira refogado, que gostosura! Os alimentos produzidos em escala industrial tornaram-se insípidos. Lembro-me que meu pai tirava das melhores vacas leiteiras 5 ou 6 litros de leite por dia. O leite era saborosíssimo. Hoje, no mesmo sítio, vejo o meu irmão selecionando vacas que produzem em dois turnos 30 litros de leite por dia, sem gosto de nada e que vai parar dentro de uma caixa que vale mais do que o próprio leite. Meu irmão, assim como os pequenos proprietários rurais, sofre o desprezo do governo pelos trabalhadores do campo. Hoje, a produção aumentou, mas poucos lucram muito com atividades agrárias, a maioria ganha quase nada.
Poderia dar centenas de outros exemplos. Não precisa. Paro por aqui. Alguém pode dizer: esse modo de vida é inviável hoje face à população mundial existente. Posso concordar e daí concluir que a existência de uma população mundial em números ameaçadores, a ocupação por essa população, do território que deveria ser das matas, das águas e dos bichos, os modos de vida e a relação das pessoas com os bens naturais como a água, advêm de um modelo desenvolvido a partir da modernidade e principalmente do capitalismo: produção de medicamentos que atendem aos interesses das classes dominantes, construção de cidades que demandam grandes deslocamentos, mecanização e automação da produção agrícola e industrial, o que empurrou quase a totalidade da população rural para a cidade, dentre outros.
Saindo da digressão para o problema atual, vejo que hoje, para destruir os pés de barro do capitalismo, devemos buscar respostas que estão dentro de nós mesmos, em nossa história, no início. Vamos ter de, por nossa própria iniciativa, organizar nossa vida de modo a consumir cada vez menos. Para que tanta roupa? Nem pobre mais para doar estamos achando, pois os pobres estão abarrotados do lixo da classe média. Para que tanto sapato, tanto telefone, tanta parafernália de eletrônicos, de remédios? Remédio para ser feliz, remédio para não sentir dor, remédio para emagrecer, remédio para não ter de tomar remédio, remédio para não dormir, remédio para dormir. Para que dormir? Aprendi com Chico Buarque: 'Inútil dormir que a dor não passa!...'
Acredito que a contribuição de cada um deve ser este esforço de reencontrar em nossa própria essência um jeito mais simples de viver a vida. Na partilha destas velhas novas descobertas pode estar o segredo para a perpetuação da vida no Planeta Terra!"
Delze dos Santos Laureano é Mestre em Direito Constitucional, Advogada da RENAP – Rede Nacional de Advogados Populares, Professora de Direito Constitucional e Agrário na Escola Superior Dom Hélder Câmara, em Belo Horizonte. E-mail: delzelaureano@uol.com.br

vineri, martie 23, 2007

"Desenvolvimento e Democracia"

"por Hélio Bicudo
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem assinalado que nos próximos quatro anos o desenvolvimento do Brasil será a tônica de todos os esforços governamentais.
O direito ao desenvolvimento foi reafirmado pela Convenção de Viena (1993), direito que nas suas dimensões individuais e coletivas é, de certa maneira, o que Hanna Arendt chamava de o 'o direito de ter direitos'.
De fato, é o desenvolvimento econômico que permite o acesso de pessoas às comunidades nacional e internacional.
A intenção de manter um Estado capaz de romper o poder dos sindicatos e, ao mesmo tempo, de controlar a massa monetária, mas parco em todos os gastos sociais e nas intervenções econômicas, revitaliza, sem dúvida, o sistema de dominação dos ricos sobre os pobres. O deus da estabilidade monetária - meta suprema do atual governo - implica na contenção dos gastos com o bem-estar e na restauração da taxa atual de desemprego, com o retorno de um exército de reserva de trabalhadores, o que redunda, naturalmente, na quebra do poder dos sindicatos.
É nesse sentido que a globalização não deverá ser considerada somente em termos econômicos e não pode ser enfrentada sem se ter em conta a necessidade de acordos baseados na justiça social internacional, em que ficarão sem resposta o equacionamento dos problemas da fome, da pobreza, das desigualdades sociais na distribuição de renda, a deterioração do meio ambiente e, por último, a própria estabilidade das instituições democráticas.
No Brasil, a partir das últimas falas do presidente reeleito, o desenvolvimento perseguido será alcançado mediante reformas a serem empreendidas no setor político e no setor econômico financeiro, com alterações no sistema tributário e seus reflexos na política previdenciária.
Tenha-se, entretanto, em vista que o desenvolvimento do país só será atingido com grandes investimentos na infra-estrutura: recuperação da malha rodoviária e ferroviária, modernização dos portos, produção de energia elétrica, gastos em saúde e educação. Esses investimentos, que somente se concretizam a médio e longo prazo, importam em gastos anuais que os economistas estimam em cerca de US$ 1,5 bilhão durante, pelo menos, cinco anos.
Desde que tomada essa decisão e estimados os gastos em cada setor é que poderemos iniciar nossos passos em direção ao sonhado desenvolvimento que venha por o Brasil entre os Estados líderes.
Se as reformas pretendidas não alcançarem esses objetivos, valerão apenas para acalentar sonhos de permanência no poder.
Uma reforma política não pode ser discutida sem ampla participação da sociedade civil, porque, ademais, poderá desembocar no pretexto para a convocação de uma Constituinte, de todos os pontos de vista indesejável, inclusive porque não encontra nenhum suporte jurídico e, com a vitória eleitoral obtida, poder-se-á construir base para a introdução do 'chavismo' na estrutura do Estado brasileiro, com a perpetuação no poder daqueles que o conquistaram graças à vitória - segundo afirmou o presidente da República - dos que estão em baixo, contra os que estão em cima.
Desenvolvimento é um direito e como direito deve ser implementado segundo as regras que constituíram o Estado Democrático de Direito brasileiro, não podendo servir de pretexto para a implantação de um sistema novo, à deriva das regras estabelecidas pela Constituição de 1988, tendo em vista que o fundamentos do Estado são os direitos humanos que somente existem no Estado Democrático onde os poderes são independentes e harmônicos entre si.
Fora daí não teremos desenvolvimento como direito dos povos e pior que isso, não teremos democracia.
Hélio Bicudo é presidente da Fundação Interamericana de Defesa dos Direitos Humanos (FidDH)."

sâmbătă, martie 17, 2007

"Latifúndios no Brasil, o objetivo de Bush"

"Os norte-americanos sabem que a única solução energética é a produção extensiva de álcool e óleos vegetais. Dessa vez, querem o nosso território, como mostra Gilberto Felisberto Vasconcellos.
por Gilberto Felisberto Vasconcellos

Quando este artigo estiver nas mãos do leitor de Caros Amigos, o presidente Bush, tomando caipirinha escondido, já terá nos visitado, com o objetivo de fazer e assinar contratos entre os EUA e o Brasil a respeito da produção e comercialização do álcool e dos óleos vegetais, cuja produção só pode ser feita em terras dos trópicos. Por exemplo: o álcool da cana-de-açúcar, combustível que faz andar automóvel, trator, avião, indústria (tudo o que se faz com petróleo se faz com álcool) é extraído de plantas, cana-de-açúcar e mandioca, que não dão no território frio e temperado dos EUA.
A questão é física, geográfica, envolvendo a incidência de sol, de quantidade de calor e de água doce. O leitor não poderia perder de mira, por ocasião da visita do presidente Bush, que nenhum gênio ianque, japa ou tedesco será capaz de inventar uma tecnologia, digamos, um computador prodígio, que consiga transferir o sol de Belém do Pará para Wall Street.
Os jornais daqui e do mundo inteiro têm anunciado que o alvo precípuo da visita de Bush é o interesse pelo etanol, leia-se: o álcool, combustível substitutivo da gasolina que se tornou conhecido há trinta anos por causa do Proálcool mentalizado pelo engenheiro Bautista Vidal e seu amigo, o geólogo Marcelo Guimarães (este concebeu microdestilarias que produzem em 3 hectares de terra 200 litros de álcool, uma verdadeira agricultura familiar). Esses dois grandes cientistas são da escola da biomassa, saber de experiência energética e tecnológica, escola que tem alertado os governos e a opinião pública de que o trópico úmido, neste século 21, está no epicentro da história mundial. O que isso significa do ponto de vista do processo civilizatório? E o que a questão do trópico tem a ver com a visita de Bush e seu encontro com Lula?
É preciso dizer, antes de qualquer coisa, que desdobramentos econômicos e políticos se prolongarão para além dessa visita; talvez não apareça nenhum político pefelê ou tucano a beijar o anel da mão de Bush, mas isso não quer dizer que o encontro Brasil-EUA não seja nocivo para nós, pois contrato em pé de igualdade com os EUA é conversa de urubu com bode desde a Doutrina Monroe. [...]
Gilberto Felisberto Vasconcellos é sociólogo, escritor e jornalista.
A edição impressa com a íntegra dessa matéria JÁ ESTÁ NAS BANCAS!".
Fonte: Caros amigos.