miercuri, februarie 11, 2009

"Projeto em Pernambuco incentiva consumo de peixe nas escolas"

"O peixe pode contribuir para uma boa alimentação infantil. Esse é o foco do projeto do Centro Colaborador de Alimentação e Nutrição Escolar (Cecane) de Pernambuco, que incentiva a introdução de pescado na alimentação escolar. A iniciativa foi apresentada no Encontro Nacional de Novos Prefeitos e Prefeitas que está sendo realizado em Brasília
O projeto é financiado pelo Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae), do Ministério da Educação. Ele capacita merendeiras, pescadores artesanais e alunos para que estimulem o uso do pescado na merenda".

Fonte: Agência Brasil.

luni, februarie 09, 2009

A reforma do setor vitivinícola europeu

Segunda e última parte de abordagem sobre as mudanças no setor da uva e do vinho europeu implementadas desde 2008

Kelly Lissandra Bruch*

Já explicava Charles Darwin, ao tratar da evolução das espécies, que para sobreviver é preciso se adaptar ao meio e às mudanças: “Só os mais aptos sobrevivem”! Uma sentença cruel, mas verdadeira, inclusive para o setor vitivinícola...
Embora o vinho venha sobrevivendo há milênios e tenha acompanhado a história de toda a humanidade, os locais, as técnicas, a elaboração e a comercialização mudam e se adaptam a cada período histórico. Conforme tratado no artigo anterior (publicado na edição 05 de A Vindima), o setor vitivinícola europeu vem buscando se adaptar, desde a criação da União Européia, nos anos 1950. Em 2008, por meio do Regulamento número 479/2008 do Conselho da União Européia, 423/2008 da Comissão Européia e 555/2008 da Comissão Européia, uma nova mudança se impõe. Talvez mais drástica do que todas as outras – especialmente para os vitivinicultores europeus –, certamente é a que mais aproxima a Europa de uma fase de transição para o livre mercado mundial.
Ao contrário da economia de mercado que conhecemos no Brasil, no qual estamos cada vez mais desnudos diante do comércio internacional, na Europa o protecionismo ainda é fortemente presente, arraigado, defendido como um direito adquirido – e, por isso, tão difícil de ser alterado.
O objetivo desta nova reforma se resume a introduzir mudanças para equilibrar o mercado do vinho europeu, extinguir medidas de intervenção no mercado inúteis e dispendiosas e permitir que o orçamento europeu seja utilizado para promover ações mais proativas, que reforcem a competitividade dos vinhos europeus. Buscaremos neste artigo trazer as principais alterações e buscar explicar como estas refletirão na Organização Comum do Mercado Vitivinícola Europeu (OCM-Vinho). As medidas se subdividem em quatro: medidas de apoio, reguladoras, de comércio com terceiros países e de potencial de produção.

As medidas de apoio
Em relação às medidas de apoio, cada país da União Européia (UE) deverá apresentar um plano de ação adaptado à realidade das suas regiões produtoras. Ressalte-se que estas medidas são financiadas pela UE, mas alguns programas agora poderão ser complementados com ajudas financeiras de cada nação, dentro de um limite global.
Vale salientar que o programa a ser apresentado deverá ser aprovado pela UE dentro do orçamento disponível para o setor vitivinícola e para cada país. Essas medidas compreendem apoios relacionados à política agrícola e apoios relacionados ao desenvolvimento rural. Além disso, as formas de apoio não são livres; elas, devem ser escolhidas e combinadas dentre as seguintes:
Regime de pagamento único – Consiste em converter o apoio que o viticultor recebe em face da quantidade produzida por um apoio conforme a área de cultivo (por hectare) que possui, independente do volume de produção. Este regime já é aplicado a produtos como arroz, leite, algodão e carne de gado, dentre outros. O que ocorre efetivamente é um ‘descolamento’ do subsídio recebido em relação à quantidade produzida. Isso, em regra, incentiva o produtor a buscar qualidade, produzindo menos e melhor, já que ele terá uma ‘renda fixa’ suplementar, independente da remuneração obtida com a venda da uva por quantidade.
Promoção – Consiste em medidas de informação e promoção dos vinhos comunitários em países terceiros, com o objetivo de melhorar a sua competitividade nesses mercados. Ressalte-se que hoje, na maioria dos membros da UE, a publicidade de bebidas alcoólicas é proibida ou bastante restrita. Desta forma, a alternativa é fazer publicidade nos países dos outros! As medidas podem incluir relações públicas, promoção ou publicidade que destaquem as vantagens dos produtos europeus, especialmente em termos de qualidade, segurança alimentar ou respeito ao meio ambiente. Além disso, a promoção engloba a participação em eventos, feiras ou exposições de importância internacional e campanhas de informação, especialmente sobre os regimes de denominações de origem, indicações geográficas e produção biológica. Também estão compreendidos estudos de novos mercados e estudos de avaliação dos resultados das medidas de promoção e informação.
Reestruturação e reconversão de vinhas – Objetiva três práticas: reconversão varietal, relocalização de vinhedos e melhoramento das técnicas de gestão da vinha. A renovação normal das vinhas que chegam ao fim de seu ciclo natural não está compreendida. O apoio consiste na compensação aos produtores pelas perdas decorrentes da execução da reconversão ou reestruturação e na contribuição para com os custos destas medidas. Verifica-se, claramente, que há um forte incentivo para melhorar a qualidade.
Colheita em verde – A colheita em verde – destruição ou remoção total dos cachos de uvas antes da maturação, reduzindo, assim, o rendimento da superfície a zero – objetiva contribuir para restaurar o equilíbrio entre a oferta e a procura no mercado europeu. Esse apoio pode ser concedido mediante pagamento fixo por hectare, mas não pode ser superior a 50% dos custos diretos da eliminação dos cachos somados à perda de receita decorrente da medida, ou seja, à nãoprodução do vinho.
Fundos mutualistas – O apoio à criação de fundos mutualistas tem por objetivo ajudar os produtores que procurem precaver-se contra flutuações do mercado e consiste na ajuda temporária e regressiva para cobrir os custos administrativos dos fundos.
Seguros de colheitas – O objetivo deste apoio é proteger os rendimentos dos produtores, quando sejam afetados por catástrofes naturais, fenômenos climáticos adversos, doenças ou pragas.
Investimentos – O apoio para investimentos aplica-se a melhorias nas instalações de tratamento, nas infraestruturas e na área de comercialização das vinícolas, as quais elevem o desempenho geral da empresa, especialmente no tocante à produção e comercialização ou, ainda, à elaboração de novos produtos, processos e tecnologias.
Destilação de subprodutos – Pode ser concedido apoio à destilação voluntária ou obrigatória de subprodutos da vinificação, respeitadas determinadas regras, como a proibição de sobreprensagem do mosto. O montante da ajuda será fixado por graduação/volume e por hectolitro de álcool produzido. Os níveis de ajuda máxima aplicável baseiam-se nos custos de coleta e tratamento dos subprodutos. O álcool resultante da destilação deverá ser utilizado exclusivamente para fins industriais ou energéticos, de modo a evitar distorções de concorrência. Os valores a serem pagos são de 0,5 € / % vol /hl para Álcool de borras; 1,1 € /% vol. /hl para Álcool de bagaços acrescido de 16 € / tonelada de produtos recebidos.
Destilação em álcool de boca – Somente até 31 de julho de 2012, poderá ser concedido aos produtores, sob a forma de uma ajuda por hectare, apoio para o vinho objeto de destilação em álcool de boca, que é destinado à consumo direto ou correção de produtos. Neste caso o apoio consiste no pagamento de 20 hl/ha, na proporção de 290 €/ha na safra 2009; 249 €/ha na safra 2010; 166 €/há na safra 2011 e 124 €/há na safra 2012.
Destilação de crise – Além disso, também até 31 de julho de 2012, pode ser concedido apoio para a destilação voluntária ou obrigatória dos excedentes de vinho, decidida pelos países em casos justificados de crise, de modo a reduzir ou eliminar os excedentes e, simultaneamente, a garantir a continuidade da oferta de uma colheita para o ano seguinte. O álcool resultante da destilação também só poderá ser utilizado para fins industriais ou energéticos. Além disso, este apoio deverá ser diminuído ano a ano, com a finalidade de ser extinto em 2012.
Utilização de mosto de uvas concentrado – Por fim, até 31 de julho de 2012, pode ser concedido apoio aos produtores de vinho que utilizem mosto de uvas concentrado, incluindo mosto de uvas concentrado retificado, para aumentar o índice alcoólico natural dos produtos, ao máximo de 3%, 2% e 1,5% vol., dependendo da região produtora. O montante de ajuda será fixado por graduação/volume e por hectolitro de mosto utilizado para o enriquecimento. O auxilio estabelecido é de: 1,699 € / % vol. / hl para o mosto concentrado e 2,206 € / % vol. / hl para o mosto concentrado rectificado.
Além disso, frise-se que, aprovado e implementado o programa de apoio, se o agricultor o receber e não cumprir a sua parte – pedir auxílio para colheita em verde e não a realizar, por exemplo – será o mesmo punido, podendo ser excluído de futuros programas de apoio.

As medidas reguladoras
No âmbito das medidas reguladoras, várias questões foram esclarecidas, além de terem sido implementadas profundas alterações, principalmente no tocante às Indicações Geográficas (IG).
Regras gerais – Uma das primeiras medidas determina quais castas de uva podem ser plantadas, replantadas ou enxertadas para produção de vinho e derivados. Segundo o regulamento, a variedade deve pertencer à espécie Vitis vinifera ou ser proveniente de um cruzamento entre esta e outra espécie Vitis, deixando bem claro que não são consideradas como tais Noah, Othello, Isabelle, Jacquez, Clinton e Herbemont. Resta saber se efetivamente outras cultivares híbridas foram liberadas, o que não fica explícito no texto. Além disso, todas as castas que não atendam à definição de variedades de uva de vinho deverão ser arrancadas, salvo se forem plantadas para fins de pesquisa ou produção de vinho para consumo familiar. Destaque-se que isso se estende a todos os produtos que venham a ser comercializados na UE.
Curiosamente, o regulamento prevê que os países da UE podem permitir a utilização do termo vinho para fermentados feitos de outros frutos, desde que ele seja acompanhado do nome do fruto, sob a forma de denominação composta.
Em relação às práticas enológicas, só poderão ser utilizadas as expressamente autorizadas, não podendo ser comercializados, na UE, produtos que não sigam tais orientações. Além disso, o regulamento deixa claro que as práticas enológicas autorizadas só podem ser usadas para permitir uma boa vinificação, uma boa conservação ou um bom apuramento dos produtos. De outra forma, cada estado-membro poderá impor regras mais restritas que as comunitárias aos produtos que circulem em seu território. Outras práticas poderão vir a ser autorizadas, desde que se baseiem nas práticas enológicas recomendadas e publicadas pela Organização Internacional da Vinha e do Vinho (OIV). Isso também vale para os métodos de análise.
VQPRD versus IG – Em relação às Indicações Geográficas (IGs), a mudança foi mais profunda. O novo regulamento substituiu a tradicional definição de “vinhos de qualidade produzidos em regiões determinadas” (VQPRD) pelas nomenclaturas já consagradas em alguns estados-membros – as Denominações de Origem (DOs) – ou internacionalmente – caso das IGs, definidas no acordo TRIPs da Organização Mundial do Comércio. Dessa forma, seguindo os demais produtos agroalimentares (regulamento 510/2008), foram criadas, no âmbito da União Européia, as DOs e IGs para vinhos. Vale ressaltar que os “vin de pays” passarão à categoria de vinhos com Indicação Geográfica. Todas as Indicações Geográficas nacionais deverão ser notificadas à Comissão de Agricultura da UE, para que continuem a valer. Já as novas deverão passar por um duplo processo: um pedido de reconhecimento nacional e um comunitário, com direito à oposição por parte, inclusive, de países terceiros. Além disso, finalmente os países terceiros, bem como os titulares de IGs destes, poderão requerer o reconhecimento de uma IG junto à UE de forma clara e precisa. Outra alteração importante neste ponto trata da titularidade e da certificação. As IGs deixam de pertencer ao país onde se encontram para pertencerem à coletividade que ocupa o seu território delimitado. O pedido de reconhecimento e o regulamento de uso deverão ser apresentados pelos representantes desta coletividade ao órgão competente de cada país, que dará início ao processo de reconhecimento. Por fim, a certificação de que o regulamento de uso está sendo cumprido e, portanto, o produto tem direito à utilização da IG, deverá ser feita por uma autoridade pública ou por um organismo de certificação, os quais, de qualquer forma, deverão ser acreditados, a partir de 2010, de acordo com a norma européia EM 45011 ou com a ISO/IEC Guide 65.
Menções tradicionais – Definidas como menções tradicionalmente utilizadas nos países da UE relativamente a produtos vitivinícolas, estas servem para indicar que o produto tem uma DO ou uma IG ao abrigo da legislação comunitária ou do país ou, ainda, para designar o método de produção ou de envelhecimento ou a qualidade, a cor, o tipo de lugar ou um acontecimento ligado à história do produto com uma DO ou IG. Estas menções serão protegidas como as IGs, no âmbito comunitário, e somente poderão utilizá-las aqueles que cumpram com o caderno de normas destas.
Rotulagem – Em relação à rotulagem, embora a redação do novo regulamento esteja muito mais clara e precisa que a do regulamento 1493/1999 – que é complementado pelo 753/2002 –, este ainda traz apenas regras gerais, deixando sua complementação para o regulamento que deverá substituir o 753/2002, que continua vigente até agosto de 2009. Uma das grandes novidades será a possibilidade de se utilizar no rótulo de um vinho – mesmo que ele não seja uma IG ou DO – a indicação de safra e casta de uva. Isso porque os vinhos de mesa europeus também estavam restritos, o que estava dificultando a sua comercialização.
Organismos interprofissionais – Outra novidade é o reconhecimento dos organismos interprofissionais em nível comunitário. Em resumo, um organismo interprofissional é uma associação ou instituto que reúna, entre seus membros, representantes de toda a cadeia produtiva, de forma paritária. Alguns têm representantes dos viticultores e dos vinicultores, outros têm representantes dos vitivinicultores e dos negociantes, dependendo da característica de cada região. As decisões são tomadas em conjunto e, assim, todos se encontram, de certa forma, amparados. Um exemplo é o Comitê Interprofissional dos Vinhos da Champagne (CIVC). Nascidos na França, estes organismos eram criticados no âmbito europeu, pois se entendia que eles acabavam por regular e interferir no mercado de vinhos – especialmente quando fixavam os preços das uvas e a quantidade mínima ou máxima de vinhos a ser vendida por todos os produtores da região que era ‘dirigida’ por eles. Porém, após se reconhecer que são justamente eles que têm conseguido manter o equilíbrio mínimo do mercado vitivinícola, foram regulamentados e sua forma de atuação estendida a toda União Européia.

Comércio com terceiros países
Quanto ao comércio com terceiros países, as importações continuam sujeitas à apresentação de certificado – que prove que o produto é feito em conformidade com as práticas enológicas recomendadas e publicadas pela OIV ou autorizadas pela comunidade –, emitido por organismo competente, que figure numa lista a se tornar pública pela Comissão Européia, do país do qual o produto é originário. O atestado deve ser acrescido de um boletim de análise expedido por órgão ou serviço designado pelo país de que o produto é originário, se este se destinar ao consumo humano direto.
Além disso, vale ressaltar que, tanto no que se refira à rotulagem, quanto às práticas enológicas, aos padrões de identidade e qualidade e às demais medidas reguladoras, os países terceiros deverão cumprir o disposto no regulamento – que, aparentemente, não deixa brecha para os chamados ‘produtos típicos e tradicionais’, os quais fogem, por vezes, aos padrões de identidade e qualidade. Todavia, uma ressalva, embora bastante vaga, aparece no artigo 32, que possibilita a edição de regulamentos complementares para regular práticas enológicas não previstas no Regulamento 479/2008.

Potencial de produção
Por fim, trata-se do potencial de produção, tema que certamente soa estranho a quem está acostumado às regras de livre mercado. Isso porque a plantação de vinhedos não é livre na UE. Há uma autorização anual de determinada quantidade de hectares que pode ser plantada, a qual cada país distribui da maneira que entender mais adequada entre seus viticultores. Tanto é que os vinhedos que foram plantados sem autorização a partir de 1998 deverão ser arrancados, às custas do próprio produtor rural e sem direito a um replante em outro lugar. E o vinho proveniente destes vinhedos somente poderá ser vendido para destilação. Os vinhedos plantados ilegalmente antes de 1998 poderão ser regularizados, desde que paguem uma taxa que corresponde a, pelo menos, o dobro do valor médio do direito de plantação correspondente na região, tendo o seu vinho, antes da regularização o mesmo destino: destilação. Além disso, todas as superfícies plantadas ilegalmente não têm direito a qualquer ajuda financeira da UE.
Proibição de novas plantações – O artigo 90 proibiu completamente a plantação e a sobre-enxertia de videiras até 31 de dezembro de 2015, salvo se o viticultor comprar o direito de plantação de alguém (ou seja, alguém arranca os seus vinhedos e ‘vende’ para outro o direito de plantar a mesma superfície) ou exercer um direito de replantação (arrancar seus vinhedos de um lugar e plantar em outro); mesmo assim, isso só pode ser feito com anuência do governo de cada país, para que o procedimento não seja considerado ilegal. Novos direitos de plantação só podem ser concedidos em casos muito especiais, como para pesquisas ou para compensar uma terra que foi expropriada pelo governo. A partir de 2016, ao que consta, o plantio será liberado, com a respectiva abolição aos direitos de plantação. Veremos!
Arranque de vinhedos – Com relação ao regime de arranque, a UE estabeleceu condições para que os viticultores recebam um prêmio pela eliminação de vinhas que venham a realizar até 2011. Há diversos critérios que devem ser obedecidos, para que o produtor se candidate para receber uma compensação por arrancar seus vinhedos, sendo que o montante a receber será proporcionalmente menor a cada ano. O objetivo é eliminar vinhedos pouco produtivos, velhos, e auxiliar quem deseja deixar a viticultura, promovendo, assim, uma diminuição da quantidade e um aumento da qualidade dos vinhos a serem produzidos. O que não se esperava era que a procura fosse tão grande por este tipo de apoio: hoje, os países estão tendo dificuldades em decidir quem poderá receber o prêmio pelo arranque.

Concluindo...
Em suma, são estas as principais inovações trazidas pelo novo regulamento da Organização Comum do Mercado Vitivinícola Europeu. O que se espera é que a partir de 2016 os produtores se tornem autossuficientes e competitivos, deixando, gradualmente, de receber ajuda da União Européia, como já vem acontecendo com outros produtos agrícolas. Mas, como dizem os vitivinicultores, o vinho é um produto especial; como tal, dificilmente ele será abandonado pelos tradicionais países produtores. Bem que o governo brasileiro poderia se inspirar nestas reformas e auxiliar verdadeiramente o setor vitivinícola a se tornar também mais competitivo.

* Graduada em Direito, pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG); especialista em Direito e Negócios Internacionais, pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC); mestre em Agronegócios, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS); doutoranda em Direito Privado, pela UFRGS e Université Rennes 1. Atualmente, é advogada, consultora jurídica do Instituto Brasileiro do Vinho (Ibravin), professora-licenciada da Universidade Luterana do Brasil (Ulbra) e bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) Colégio Doutoral Franco-Brasileiro.

Artigo publicado no Jornal A Vindima, Flores da Cunha, RS: Ed. Século Novo, n. 06, de fev/mar 2009, p. 16-19.

Para citação:
BRUCH, Kelly Lissandra. A reforma do setor vitivinícola europeu. Jornal A Vindima, Flores da Cunha, RS: Ed. Século Novo, n. 06, p. 16-19. fev/mar 2009.

vineri, februarie 06, 2009

A organização do Mercado Comum Vitivinícola da União Européia

A União Européia continua sendo a maior produtora e consumidora de vinhos do mundo. Em um estudo apresentado pela Organização Internacional da Vinha e do Vinho (OIV), todavia, verifica-se que gradualmente ela tem diminuído sua proporção de vinhedos plantados, bem como a sua produção e consumo de vinho, em âmbito mundial. Para entender o porquê dessa diminuição – que não é só relativa, mas também absoluta –, devem ser considerados a diminuição do consumo per capita de vinho na Europa e o combate ao alcoolismo, como também as políticas agrícolas que visam diminuir as quantidades produzidas e aumentar a qualidade dos vinhos elaborados.
Para entender essa dinâmica, faz-se necessário compreender como a União Européia tem dirigido o seu mercado vitivinícola. Isso pode ser feito mediante a compreensão da criação e evolução da Organização Comum do Mercado (OCM) Vitivinícola Europeu, que se encontra no âmbito da Política Agrícola Comum (PAC) da Comunidade Européia.
A União Européia vem sendo construída desde 1950, logo após o fim da 2º Guerra Mundial, quando seus países se encontravam exauridos, economicamente destroçados e politicamente enfraquecidos. A única alternativa que se apresentava girava em torno da união, para que os países da Europa pudessem preservar seu legado político, cultural, jurídico e econômico. Essa união começou com seis países: Alemanha, França, Itália, Bélgica, Holanda e Luxemburgo. Atualmente, constituem a União Européia 27 países, sendo que se encontram vigentes três tratados que a regulam. A PAC está regulada no primeiro pilar de integração, que faz parte do Tratado da Comunidade Européia (TCE).

Política Agrícola Comum
A PAC nasce na conferência de Stresa, em 1958, e entra em vigor em julho de 1962. Seu objetivo principal é financiar a produção agrícola, para garantir o abastecimento e a auto-suficiência de alimentos – dentre eles, o vinho – e garantir a continuidade da agricultura na Europa. Para uma melhor regulação do sistema agrícola, foram criadas OCMs para os principais produtos, como leite, carne e cereais, com a finalidade de auxiliar na reconstrução da cadeia produtiva e na distribuição dos recursos financeiros. É nesse período que se instaura a OCM vitivinícola, por meio do Regulamento 24/1962, com o objetivo de regular a produção e comercialização do vinho.
Essa política efetivamente deu certo, de forma que nos anos 1970 alcançou-se a auto-suficiência alimentar e uma melhora significativa da vida dos agricultores. Todavia, o resultado foi tão bom que começou a gerar excedentes de produção dentro da Comunidade Européia. Para evitar a queda do preço no mercado interno, muitos produtos agrícolas foram exportados com subsídios, bem como outros foram estocados pelos governos ou mesmo eliminados, como era o caso da destilação interna de vinhos. Além disso, muitas vezes os produtos importados eram sobretaxados, com a finalidade de proteger o mercado interno europeu.
Vale ressaltar que essa política de mercado fechado, impostos de importação altos e subsídios à produção também era aplicada no Brasil, nesse período, o que se deu até a abertura abrupta do mercado brasileiro, a partir da década de 1990. Com poucos subsídios e com um mercado aberto, a agricultura brasileira foi forçada a tornar-se competitiva e, sem período de transição ou qualquer tipo de auxílio, aqueles que não se adaptaram foram literalmente postos para fora do mercado.
No caso da União Européia, a abertura foi mais gradual, o que por um lado, garantiu a continuidade da PAC, mas, por outro, acabou tornando a agricultura européia menos competitiva hoje, se comparada, de maneira geral, com a brasileira.

A OMC e o livre comércio
Essas políticas européias funcionaram até a entrada em vigor da Organização Mundial do Comércio (OMC), em 1994. A OMC, então, classificou algumas dessas práticas como contrárias ao livre comércio (subsídios diretos, subsídios à exportação e sobretaxação da importação) e impossibilitou que outros mecanismos, como a destilação, mantivessem o seu efeito (pois a simples eliminação do produto do mercado não levaria a um aumento do preço do produto, e sim a uma maior importação). Dessa forma, a União Européia viu-se obrigada a se adaptar a um mercado mundial de livre comércio, e muitas mudanças foram realizadas para adaptar a PAC a essa realidade.
A primeira alteração ocorreu ainda em 1992, durante as negociações da OMC, com a chamada reforma Mac Sharry, que visava diminuir a produção global, gerando menos excedentes, bem como uma redução das despesas agrícolas no âmbito do orçamento comunitário. Em 1999, uma segunda reforma foi necessária, a qual, dentre outras coisas, modificou a ajuda direta recebida pelos agricultores, bem como incluiu a condicionalidade de recebimento da ajuda ao respeito de certas regras de segurança sanitária e dos alimentos.
Por fim, em 2003, o conjunto de reformas é consolidado, com os seguintes dispositivos:
a) pagamento único descolado da produção – ou seja, o agricultor recebia por estar produzindo, mas não proporcionalmente à quantidade de produto produzido, o que não estimulava uma superprodução;
b) a eco-condicionalidade – além de respeitar as regras de segurança sanitária, também se torna condição para o recebimento da ajuda um maior respeito ao meio ambiente;
c) um tratamento mais igualitário entre as OCMs (exceto para o vinho e bebidas espirituosas) e o desaparecimento da ajuda para alguns setores;
d) um ajuste na distribuição financeira e no orçamento destinado para a agricultura – principalmente tendo em vista a entrada dos novos países na comunidade européia;
e) a implementação de uma política de desenvolvimento rural durável e sustentável.
Com todas essas mudanças, também a OCM vitivinícola se viu obrigada a evoluir, para continuar a existir e se adaptar ao mercado internacional.

A evolução da OCM vitivinícola
A história da Organização Comum do Mercado Vitivinícola Europeu nasce juntamente com a Política Agrícola Comum e acompanhou, de certa forma, a evolução dessa política. Sua criação se dá com o já referido Regulamento 24/1962, o qual é consolidado pelo Regulamento 816/1970 e complementado pelo regulamento 2506/1975, que trata das regras especiais para importação de vinho de países terceiros.
As alterações se dão com o Regulamento 337/1979 e inúmeros outros que tratavam de temas específicos, os quais foram consolidados e adaptados à PAC pelo Regulamento 822/1979. Nesse regulamento, busca-se: uma maior simplificação da regulamentação vitivinícola; melhorar a qualidade do produto, iniciando-se pela limitação da produção em quantidade; uma limitação à plantação de novas videiras; uma adaptação aos novos métodos e tecnologias; a criação de uma espécie de cadastros vitícola e vinícola que permitissem conhecer a produção e o potencial de crescimento do setor; a repartição da comunidade européia em zonas vitícolas, as quais seriam reguladas pelas suas potencialidades e características; a criação da categoria dos vinhos de qualidade produzidos em regiões determinadas (VQPRD), que teriam um tratamento diferenciado; a proibição da plantação de determinadas castas; regular o tratamento e enriquecimento de mostos, bem como a adição de açúcar; a diferenciação entre as formas de destilação, tendo em vista a sua finalidade; a proibição da sobreprensagem; a proteção da saúde do consumidor; o estabelecimento do grau mínimo natural de 8,5% de álcool em volume para o vinho, dentre outros aspectos.
O Regulamento número 1493/1999 vem substituir o anterior, com algumas finalidades principais: adaptar a OCM vitivinícola às novas regras dispostas pela OMC, o que resultou, dentre outras coisas, em uma maior abertura do mercado comunitário, com proibição às anteriores práticas de sobretaxação de importação, subsídios à exportação e subsídio direto a produtos; permitir uma maior flexibilidade às diversas zonas produtoras para adaptação ao mercado, para garantir uma competitividade ao longo prazo; simplificar o regulamento, para torná-lo aplicável a toda a comunidade; manter as políticas já implementadas consideradas adequadas.
Especialmente em função de uma decisão do Sistema de Solução de Controvérsias da OMC sobre dois processos apresentados pelos EUA e pela Austrália, mas também para buscar um equilíbrio entre oferta e demanda de vinhos no âmbito da Comunidade Européia, bem como para recuperar o mercado que tem sido gradualmente ocupado pelos países produtores de vinho do chamado Novo Mundo Vitivinícola, novas regras foram implementadas, a partir de abril desse ano, mediante o Regulamento número 479/2008.

A reforma da OCM vitivinícola da comunidade européia
Assim como a PAC gradualmente tem retirado as medidas protecionistas e impulsionado a agricultura européia para uma política de competição sustentável de mercado, as mudanças trazidas pelo Regulamento 479/2008 têm por objetivo equilibrar o mercado do vinho e terminar com medidas inúteis e dispendiosas de intervenção no mercado, visando que o orçamento vitivinícola seja utilizado para reforçar a competitividade dos vinhos europeus.
Essa reforma traz medidas drásticas, como a promoção do arranque de vinhas durante os próximos três anos, com o objetivo de retirar do mercado e dar alternativa financeira aos viticultores não-competitivos, retirando do mercado os excedentes, bem como a abolição gradual dos subsídios para destilação, que geralmente eram o destino deles. Em contrapartida – embora muitos não acreditem nisso –, o regime de direitos de plantação deverá ser abolido a partir de 2016, o que significa dizer que, a partir dessa data, ao contrário do que ocorre hoje, qualquer pessoa estará autorizada a plantar videiras e, em princípio, onde desejar. De outra forma, um apoio financeiro considerável será despendido para a promoção do vinho europeu em países terceiros, como o Brasil. Além disso, haverá apoio financeiro para reestruturação e reconversão de vinhas e modernização das vinícolas. Também se encontra prevista uma simplificação da rotulagem, o que engloba a possibilidade de, a partir do segundo semestre de 2009, acrescentar ao rótulo de qualquer vinho a safra e a variedade, o que só era permitido a vinhos com indicação geográfica. Outra inovação é o reconhecimento, pela Comunidade Européia, das práticas enológicas reconhecidas e recomendadas pela OIV. Por fim, buscando um desenvolvimento sustentável, também será estimulada a proteção do meio ambiente.
Embora para o mercado brasileiro muitas dessas medidas soem até mesmo estranhas, como a promoção do arranque de videiras, já que o vinho brasileiro, desde o início dos anos 90, está exposto às regras do mercado – embora com certas ressalvas –, trata-se de uma profunda e controversa mudança para os vitivinicultores europeus, acostumados desde o período pós-guerra a todas as formas de ajuda e subsídios estatais.
Será que os vitivinicultores brasileiros também estariam preparados para uma exposição completa ao mercado externo? Muitas dessas medidas de transição adotadas pela União Européia poderiam servir de parâmetro para proporcionar à vitivinicultura brasileira uma maior competitividade de mercado.