luni, septembrie 20, 2010

O Dinheiro que dá em Árvores, quanto vale a Natureza?

Segue matéria da Revista Época, de 20/09/2010, reportagem de Aline Ribeiro, subtítulo ‘QUANTO VALE A NATUREZA?’.

Economistas, empresários e governos buscam formas de pagar (e receber) pela preservação dos recursos do planeta. Por que isso é essencial para nós.

O agricultor Hélio de Lima, de 58 anos, é um homem de sorte. Em sua propriedade rural na cidade de Extrema, divisa entre os Estados de Minas Gerais e São Paulo, há dez nascentes. Quando as águas encontram os riachos vizinhos, ajudam a formar o rio da foto que abre esta reportagem. O gado nunca passou sede. Não falta à família água para se banhar nos fins de semana. Além disso, há um ano, Lima passou a lucrar diretamente com suas fontes. Em troca de preservá-las, ganha da prefeitura em torno de R$ 1.300 todo mês.
A explicação é que, depois de correr cerca de 100 quilômetros, a água que brota em suas terras desemboca no sistema Cantareira, em São Paulo, que abastece as torneiras de quase 9 milhões de pessoas todos os dias. O pequeno incentivo lá na fonte ajuda os moradores das regiões norte, central, leste e oeste da capital paulista, zonas abastecidas pela Cantareira, a beber água de qualidade, com menos produtos químicos. Deixo de criar umas 40 cabeças de gado por ano, diz Lima. Mas, se eu não fizer isso, o que o boi vai beber? Com o que a gente cozinha? Acabou a vida. Ganha Lima, porque recebe compensação por não usar a terra. Ganha o planeta, com a manutenção das florestas. Ganha quem mora em São Paulo, ao desfrutar água pura e sem cheiro.
A relação monetária entre Lima e a prefeitura de Extrema tem nome: pagamento por serviços ecológicos. Ele recompensa quem ajuda a sociedade a preservar seus recursos naturais. Não é só a água doce e limpa. É também a polinização dos insetos, sem a qual não existiria agricultura. Ou a regulação do clima, feita pela floresta que estoca carbono. Ou as drogas, cujos princípios ativos vêm da fauna e da flora. O declínio da biodiversidade leva à decadência econômica, afirma Luiz Fernando Merico, diretor da União Internacional para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais (IUCN) no Brasil, um organismo que reúne 1.200 organizações preservacionistas.
Não é nenhuma novidade que a natureza é a base da economia. Sempre foi até porque não há vida fora da natureza. Mas a abundância de recursos era tamanha que eles podiam ser considerados inesgotáveis, e portanto gratuitos. Em alguns casos, essa premissa se revelou ilusória, como na civilização da Ilha de Páscoa, no Pacífico, que ruiu quando a madeira acabou. Há um temor similar para alguns recursos de nossa civilização, como o petróleo, os peixes e até a água potável.
A demanda por recursos naturais é 35% maior que a capacidade do planeta de renová-los
É por isso que a economia tradicional começou a adotar as preocupações dos ambientalistas. A grande questão é estabelecer o valor dos recursos para saber quanto e como usá-los. Não é uma conta fácil. Em primeiro lugar, a natureza tem um valor subjetivo . Em segundo lugar, parte de seu valor é potencial um princípio ativo ainda não descoberto para curar uma doença, por exemplo. É impossível saber que impacto essa exploração teria no futuro.
Mesmo assim, a ciência já tenta atribuir preço aos recursos naturais. Faz isso de dois modos. O primeiro é pelo cálculo do lucro obtido com a preservação (a água limpa, o mercado de orgânicos que floresce da proteção à biodiversidade, os ganhos de eficiência nas empresas ou no reaproveitamento do lixo etc.). O segundo modo é calcular o prejuízo que a destruição dos recursos naturais acarreta o preço da dessalinização da água, os deslizamentos resultantes da derrubada de matas, o custo de alugar abelhas para polinizar a plantação quando as abelhas nativas são destruídas. Essa conta é complicada porque boa parte da depredação vai incidir somente sobre as próximas gerações, que não têm como dar palpite nas políticas atuais (mas em compensação contarão com tecnologias que ainda não foram inventadas).
O grande desafio é encontrar fórmulas para que quem explora os recursos naturais ajude a pagar a conta de sua manutenção, diz o economista americano Robert Costanza, da Universidade de Portland. É algo que alguns economistas visionários pregam há décadas. O professor americano Herman Daly é um dos pais dessa economia ecológica. Colocou o desenvolvimento sustentável em pauta nos anos 80 quando foi economista sênior do Banco Mundial. Hoje, como professor da Universidade de Maryland, diz acreditar que o crescimento da população demanda uma mudança na teoria econômica. Daly questiona o conceito do Produto Interno Bruto (PIB), que inclui apenas as riquezas materiais geradas. Acha que é necessário descontar desses ganhos os gastos com a poluição do ar, os resíduos, a destruição da floresta.
Os economistas brasileiros estão engajados nessa discussão, como mostra o livro O que os economistas pensam sobre sustentabilidade, do jornalista Ricardo Arnt. Hoje estamos internalizando a finitude da Terra, afirma Antonio Delfim Netto, ex-ministro da Fazenda, da Agricultura e do Planejamento. O problema ambiental sempre existiu, só que era marginal. A restrição não era mandatória. Agora é, diz André Lara Resende, ex-presidente do BNDES e cocriador do Plano Real.
Esse tema se impôs como urgente porque o mundo já começa a sentir os reflexos da exploração inconsciente da natureza. Segundo o relatório A economia dos ecossistemas e da biodiversidade, divulgado neste ano pela ONU, mais de 60% dos serviços naturais do mundo foram degradados nos últimos 50 anos. De acordo com o estudo, a demanda atual por recursos naturais é 35% maior que a capacidade do planeta de renovar esses recursos e, a prosseguir o atual ritmo de crescimento da demanda, em 2030 estaríamos consumindo o dobro do que a Terra é capaz de repor naturalmente. O relatório, do economista indiano Pavan Sukhdev, é parte de uma série de cinco publicações que a ONU lança até a Conferência da Biodiversidade (COP-10), em Nagoya, Japão, em outubro, quando os principais governos do mundo vão tentar traçar metas para a biodiversidade.
Reverter dados tão abrangentes em valores monetários é uma tarefa complexa. Robert Costanza foi o primeiro a atribuir preços à natureza. Em 1997, ele estimou que a biodiversidade do mundo valia US$ 33 trilhões (algo como US$ 45 trilhões, no dinheiro de hoje). Todos nós já estamos pagando por essas perdas, diz. Mas ainda não exatamente em dinheiro. Outro relatório da ONU, de maio, estimou que as perdas anuais do desmatamento e da degradação florestal podem passar de US$ 4,5 trilhões. A conservação dessas áreas estaria garantida com um investimento de apenas US$ 45 bilhões um centésimo do total. Os números estão aí, mas são tão etéreos e distantes da realidade que poucos se preocupam com eles.
Extrema, a cidade do agricultor Lima, é um caso raro de investimento preventivo. A ideia surgiu em 2001, quando Paulo Pereira, do departamento de meio ambiente do município, se inspirou em um projeto da Agência Nacional das Águas para remunerar os donos de nascentes. O Código Florestal determina manter 30 metros de floresta nativa nos arredores das margens de rio, conhecidas como Área de Preservação Permanente (APP). Quando se trata de uma nascente, a lei manda preservar um raio de 50 metros de diâmetro. É raro quando isso acontece por vontade própria ou temor à fiscalização. E o mundo continua precisando de água. A solução encontrada por Extrema foi pagar os agricultores por esse serviço. É uma maneira de ganhar área de floresta e recompensar o produtor, afirma Pereira. Os fazendeiros ganham R$ 176 ao ano por hectare de área protegida. Em contrapartida, deixam de colocar ali o gado que lhes traria um lucro anual de cerca de R$ 120. Perdem de um lado para ganhar do outro. Em três anos, a prefeitura já fez 150 quilômetros de cerca, plantou 150 mil mudas de diferentes espécies e preservou 800 hectares (o equivalente a 1.100 campos de futebol). O recurso para isso tudo, em torno de R$ 1,5 milhão por ano, vem do governo de Minas Gerais, do próprio município e de outros parceiros. O maior beneficiado, no entanto, o Estado de São Paulo, ainda não contribui. O ideal seria que a própria concessionária de água de São Paulo entendesse esse mecanismo, diz Pereira. A tendência é partir para isso. Enquanto não acontece, fazemos nosso trabalho. Temos outros ganhos, com preservação da biodiversidade.
A cidade de Nova York vislumbrou oportunidade semelhante há 20 anos. Optou por melhorar a qualidade da água nas nascentes em vez de gastar com tratamento químico. O governo paga aos fazendeiros de Catskill, um município a 200 quilômetros da metrópole, para garantir água limpa e fresca aos moradores de Nova York. Também cerca as nascentes, faz pontes para os animais não pisarem nos córregos e canaliza o esgoto. Voluntário, o programa teve adesão de 95% dos proprietários rurais um total de 500.000 hectares. O resultado? Até hoje, a cidade de Nova York não tem estação de tratamento de água. Só de filtragem e desinfecção. Para cada dólar investido no projeto, a prefeitura economizou US$ 7 com o tratamento convencional. O consumidor paga menos e bebe, da torneira, uma das águas mais puras do mundo.
Há outras iniciativas projetadas para garantir a manutenção da biodiversidade e dos serviços dos ecossistemas. Uma delas é um sistema que remunera quem ajuda a preservar a floresta, porque o desmatamento gera emissões que contribuem para as mudanças climáticas (e quem paga ganha créditos para cumprir suas metas de poluir menos). O mecanismo, conhecido pela sigla Redd, também pode gerar benefícios para a biodiversidade ao conservar as matas naturais. Mas sua adoção, atrelada ao acordo internacional do clima, está lenta.
No Brasil, o ICMS ecológico premia cidades que preservam suas matas e seus mananciais.
Enquanto isso, o Brasil tem, desde 1991, um sistema para premiar as cidades que mantêm suas áreas de florestas protegidas, têm saneamento básico, conservam seus mananciais e solos. É o ICMS ecológico. O dinheiro vem do Estado e o porcentual varia de acordo com a contribuição de cada município ao meio ambiente. Está na lei de 16 Estados. Segundo o último levantamento, de 2007, o município mais beneficiado, de Piraquara, no Paraná, recebeu R$ 8,6 milhões. Apesar disso, ainda é um recurso desconhecido para a maioria dos prefeitos às voltas com grandes áreas para proteger.
O ICMS ecológico não faz mágica. Os moradores de Prudentópolis, uma cidade de 50 mil habitantes no interior do Paraná, sabem bem que um mecanismo mal implantado pode trazer mais discórdia que benefícios. Os agricultores de lá recebem o incentivo desde 1998. São moradores de faxinais, um sistema de vida comunal em que colonos vivem em propriedades coletivas, marcadas pela agricultura de subsistência, com os animais soltos em campos abertos, sem cercas entre as casas. Esses redutos de comunidades tradicionais ficam debaixo de uma floresta de araucária. Em troca de preservá-la, eles recebem o recurso do Estado. A agricultora Lucia Barabach, de 42 anos, nasceu e se criou em um faxinal em Prudentópolis. Em sua comunidade, os cerca de R$ 40 mil anuais do ICMS ecológico chegam por meio de uma associação, cujos membros decidem onde investir. O benefício não é dividido igualmente. Favorece, na maioria das vezes, quem tomou a decisão. Hoje é aplicado na compra de vacinas e sal mineral para os animais e na inseminação do gado. Como nem todos recebem, o dinheiro gera conflitos. É uma equação econômica difícil, afirma a advogada Vânia Moreira, presidente do Instituto Guardiões da Natureza, uma organização que trabalha no desenvolvimento sustentável dos faxinais. A solução seria colocar os recursos em projetos de geração de renda que beneficiam a todos.
A preservação da biodiversidade não vai passar de discurso se as empresas não agirem. Assim como ocorreu com as mudanças climáticas, três anos atrás, os executivos começam a reconhecer a biodiversidade como crucial para o futuro dos negócios. Em uma pesquisa divulgada neste ano, a consultoria McKinsey apontou o tema como a próxima grande questão do mundo dos negócios. O estudo, que ouviu mais de 1.500 executivos de grandes companhias do mundo, conclui que a maioria (59%) vê a conservação da biodiversidade incluindo a variedade de espécies, os ecossistemas e a variabilidade genética mais como oportunidade que como risco. Em outro levantamento da consultoria, feito em 2007, apenas 29% dos entrevistados diziam ver oportunidades no combate ao aquecimento global.
Esse otimismo se reflete em negócios emergentes para a biodiversidade e os serviços ambientais. O mercado mundial de produtos agrícolas certificados, somados aos orgânicos e aos que contribuem para a conservação, poderá chegar a US$ 210 bilhões em 2020. Os governos deverão desembolsar algo em torno de US$ 6 bilhões pelos serviços ecológicos relacionados à água (leia o quadro abaixo).
O governo do Equador captou essa tendência. Em agosto, o país assinou um acordo pioneiro com as Nações Unidas. Quer receber US$ 3,6 bilhões dos países ricos em troca de deixar intactas suas recém-descobertas reservas petrolíferas no Parque Nacional de Yasuní. Trata-se de uma das áreas mais ricas em biodiversidade da Terra cerca de 10.000 quilômetros quadrados de Amazônia intocada, moradia de diversas tribos indígenas, milhares de espécies de árvores e quase 1 bilhão de barris de petróleo. O valor cobrado pelo Equador é cerca de metade do que o país poderia ganhar com a venda do combustível. Em contrapartida, a não exploração evitaria o lançamento de 407 milhões de toneladas de carbono na atmosfera. Alemanha, Holanda, Noruega e Itália demonstraram interesse em contribuir com o fundo que vai pagar pela iniciativa.
Pelo lado do cálculo dos prejuízos com a devastação também há avanços. Um relatório ainda inédito da ONU, conduzido pela consultoria inglesa Trucost e publicado pelo jornal britânico The Guardian, estimou os custos dos danos ambientais das 3 mil maiores empresas do mundo: algo em torno de US$ 2,2 trilhões em 2008. Se tivessem de pagar pelo prejuízo ao planeta, as companhias desembolsariam um terço de seu lucro. O valor corresponde a algo entre 6% e 7% do volume de negócios. Mais da metade é referente à emissão de gases causadores do efeito estufa. A outra parte está na poluição do ar e no uso elevado de água nos processos produtivos. Algumas empresas decidiram agir preventivamente. Principalmente quando seu negócio depende diretamente do recurso natural. A AmBev anunciou em maio a intenção de reduzir em 11%, até 2012, o consumo de água na produção de bebidas. Vai investir R$ 5,8 milhões em programas de reaproveitamento e redução do consumo neste ano.
Há setores que já começaram a sentir o peso da exploração predatória do passado. Há quase um ano não produzo sequer uma gota de óleo, diz Carlos Magaldi, de 39 anos, sócio da empresa Magaldi Agroindustrial, no interior do Amazonas. A fábrica, no meio da floresta, produz óleo essencial de pau-rosa matéria-prima de um dos mais cobiçados perfumes do mundo, o Chanel nº 5. A extração do óleo começou no Brasil por volta de 1930. Para retirar a essência, cortam-se as árvores. O produto chegou a ocupar o terceiro lugar no ranking de exportação da Região Amazônica, depois da borracha e da castanha. A redução da oferta e o aumento da demanda geraram uma corrida intensa às florestas. A espécie está hoje ameaçada de extinção, ao lado do pau-brasil e do mogno. Neste ano, o pau-rosa entrou para a lista de produtos controlados pela Convenção do Comércio Internacional de Espécies Ameaçadas de Fauna e Flora (Cites).
Com o aumento da fiscalização, Magaldi e outros produtores enfrentam mais burocracia para extrair a essência. De olho nisso e em um possível sumiço de matéria-prima , pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) estudam uma maneira de obter o produto sem ter de derrubar as árvores. Testam a retirada do óleo dos galhos e até das folhas da espécie. Já comprovaram que a produtividade é grande, cerca de 30% maior que o processo feito com troncos. Magaldi tem uma plantação com 1.800 exemplares de pau-rosa. Assim que obtiver a licença do órgão responsável para podar suas árvores, vai conseguir produzir perfumes mais ecológicos. Quando se tem plantios, cai a pressão sobre os remanescentes na floresta, diz Paulo de Tarso, pesquisador do Inpa. Soluções criativas como essa ajudam não só a preservar o Chanel nº 5. Elas são cruciais para garantir nossa própria sobrevivência no futuro.

marți, septembrie 14, 2010

A solução para o impasse florestal é econômica

Autoria: Karen Alvarenga Windham-Bellord
Fonte: Valor Econômico - 14/09/2010

Depois de ler inúmeros artigos criticando ou elogiando o relatório do deputado Aldo Rebelo que propõe a revisão do Código Florestal, em andamento no Congresso Nacional, me veio à cabeça a célebre frase com a qual Bill Clinton praticamente venceu as eleições presidenciais de 1992 nos Estados Unidos: "It is the economy, stupid!"

A questão mais importante na discussão da reforma do Código Florestal não é o meio ambiente ou a avidez de produção do agronegócio, mas a necessidade de dados econômicos.

As sugestões de alteração na legislação florestal constantes no relatório mencionado introduziriam maior "flexibilização" legal, ao possibilitar anistia para aqueles que promoveram desmatamentos ilegais ocorridos até julho de 2008 em áreas de preservação permanente; inexistência de obrigação de instituir e manter reserva legal para imóveis com até quatro módulos fiscais; estabelecimento da competência dos municípios para autorizar desmatamentos; e necessidade de os estados realizarem Programas de Regularização Ambiental como condição essencial para que se possa exigir dos proprietários a recuperação das áreas por eles degradadas.

Todas essas modificações parecem favorecer os proprietários rurais, ansiosos para expandir a fronteira agrícola na Amazônia, no Cerrado e em outras áreas de interesse ambiental. Dessa forma, eles produzirão e exportarão mais grãos ou carne.

Os ambientalistas se encontram nervosos e pasmados com a falta de dados científicos referentes aos impactos negativos dessas mudanças nos biomas brasileiros. Eles têm se manifestado contrariamente à "falta de senso" da revisão do Código Florestal em artigos científicos e jornalísticos, cartas, entrevistas, blogs e networks sociais.

Todavia, ainda não houve um debate informado por elementos referentes à economia ecológica e aos ativos e passivos ambientais que serão criados nos setores da economia brasileira devido a tais mudanças na legislação florestal.

Há 20 anos, economistas vêm realizando estudos sobre a valoração da biodiversidade, desenvolvendo indicadores e fórmulas para calcular quanto custaria, por exemplo, a perda de nascentes que fornecem água potável para comunidades locais e a perda de polinizadores para a agricultura local devido à destruição de habitats. Outra grande utilidade de tais pesquisas é informar tomadores de decisões entre diferentes formas de utilização da terra. Uma maneira de decidir se os empreendimentos valem a pena economicamente é realizar um cálculo básico sobre a realização de empreendimentos econômicos em substituição a ecossistemas saudáveis. Assim, adiciona ao valor gerado pelo serviço ambiental, o valor necessário para a recuperação de tal serviço caso ele seja destruído pelo empreendimento, subtraindo o valor gerado pelo empreendimento em prol da sociedade. Se o resultado final for positivo, o empreendimento não deverá ser realizado. Se o resultado for negativo, o empreendimento é viável economicamente.

Conforme o relatório sobre a economia dos ecossistemas e da biodiversidade para formadores de políticas nacionais e internacionais (TEEB, 2009), um exemplo famoso dessa estimativa foi a decisão política de proteger e restaurar as bacias hidrográficas de Catskill e Delaware, principais fornecedores de água potável para a cidade de Nova York. A prefeitura, entre outras medidas, reservou US$ 300 milhões por ano até 2017 para adquirir propriedades próximas às bacias e conter o desenvolvimento econômico que causa enchentes e poluição. A análise de custo-benefício se concentrou em apenas um serviço prestado pelo ecossistema, qual seja, o valor gerado pelo fornecimento de água potável através da filtragem realizada pelos mananciais e economizou para a cidade cerca de US$ 6 bilhões que teriam sido gastos na contratação de serviços de purificação da água, caso as atividades de degradação continuassem.

Investir em recursos naturais torna-se ainda mais vantajoso se for considerada a multiplicidade de serviços prestados por ecossistemas saudáveis, tais como, regulação do clima, prevenção de riscos ambientais e produção de fibra e alimentos.

Após o desastre do tsunami, em 2004, no sul da Tailândia, por exemplo, há considerável interesse na não destruição, reabilitação e restauração de manguezais que antes serviam como barreiras naturais contra tempestades costeiras e que haviam sido substituídos por outras atividades.

Assim, no sudoeste da Tailândia, os órgãos ambientais decidiram por não aprovar uma indústria de camarão que seria localizada em um manguezal porque, ao fazerem as contas, chegaram à conclusão de que os benefícios econômicos advindos da preservação do manguezal eram maiores que os ganhos que a indústria de camarão proporcionaria. Ou seja, os valores que seriam gastos pelo poder público para construir proteções artificiais contra tempestades e substituir as rendas geradas para as comunidades locais seriam muito maiores que os valores gerados pela empresa de camarão com tributos e empregos.

Voltando ao Brasil, as áreas protegidas na Amazônia, conforme elucidam Portela e Rademacher (2001), por meio de seus serviços ambientais, geram benefícios locais e nacionais que ultrapassam 50% do que é obtido com atividades de agriculturas familiares. Amend (2007) também conclui em seus estudos que se as áreas protegidas na Amazônia fossem substituídas por pecuária extensiva, haveria uma geração de receita três vezes menores que os valores gerados com a preservação de tais áreas.

Assim, para que os políticos tomem uma decisão acertada em relação à melhor legislação florestal, seriam necessários a identificação dos serviços prestados pelos ecossistemas brasileiros a serem degradados e o cálculo de quanto custaria para restaurar tais serviços. Vários estudos pelo mundo afora em relação às áreas florestais concluíram que os benefícios advindos de ecossistemas protegidos superam em muito o custo de protegê-los e o custo de substituir alguns dos serviços prestados pelo ecossistema por serviços fornecidos por empresas públicas e privadas.

vineri, septembrie 10, 2010

Clima - ceticismo perde mais espaço

Artigo ‘Clima - ceticismo perde mais espaço’ veiculado no O Estado de SP, em 10/09/2010, de autoria do jornalista Washington Novaes:
“Ficou muito mais difícil para os chamados "céticos das mudanças climáticas" continuarem a negar que elas se têm intensificado em consequência do aumento da temperatura na Terra, com forte contribuição das ações humanas para o processo. Um Comitê de Revisão dos Procedimentos do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC, órgão científico da Convenção do Clima), liderado pelo InterAcademy Council (o IAC, que reúne sociedades acadêmicas de vários países), concluiu que o processo dirigido pelo IPCC precisa aperfeiçoar seus procedimentos, como acentuou editorial deste jornal (5/9, A3). Mas que, no todo, "serviu bem à sociedade".
"O engajamento de muitos milhares dos mais destacados cientistas e outros pesquisadores no mundo no processo e na comunicação sobre a compreensão das mudanças climáticas, seus impactos e a possível estratégia de adaptação e mitigação é uma conquista considerável em si mesma", diz o parecer do IAC. "Da mesma forma, o compromisso dos governos para o processo e sua aceitação dos resultados são uma indicação clara do êxito. Através de uma parceria maior entre cientistas e governos, o IPCC ampliou a consciência do público sobre mudanças climáticas, elevou o nível do debate científico e influenciou a agenda científica de muitas nações."
O IAC critica alguns pontos da atuação do IPCC, principalmente a conclusão precipitada de que as geleiras do Himalaia se derreteriam até 2035. E entende que o painel precisa modernizar sua estrutura, trabalhar mais a complexidade de certos fenômenos, ter "mais transparência em seus procedimentos", instituir um comitê executivo, limitar a um mandato os poderes dos seus executivos. De modo geral, entretanto, reconhece o valor dos quatro relatórios do IPCC.
Os "céticos" enfrentam também, no mesmo momento, uma mudança radical de postura de Bjorn Lomborg, autor do livro O Ambientalista Cético, que tanto furor causou há poucos anos. Surpreendentemente, ele declara agora que vai começar a enfrentar o problema das mudanças climáticas - em lugar de negá-las. Junto com oito economistas, ele passa a liderar um movimento que sugere forte investimento em energias alternativas, principalmente solar, eólica e de marés. Embora achem que lobistas de empresas investidoras nessas energias "exageraram as mudanças climáticas", esses analistas sugerem agora um investimento de US$ 100 bilhões nesse campo. Coincidência ou não, nesses mesmos dias o jornal britânico Sunday Telegraph publicou um pedido de desculpas ao presidente do IPCC, Rajendra Pachauri, a quem acusara de ter "conflitos de interesse", receber pagamentos de empresas interessadas na área de energias. Após auditoria da KGPM nas contas pessoais de Pachauri, o jornal afirmou que "não há nenhuma evidência de benefícios pessoais com as funções de consultor".
Na direção contrária à dos "céticos", o Instituto de Meio Ambiente da Suécia e o cientista Sivan Kartha publicaram trabalho de análise das intenções manifestadas na Convenção do Clima, em Copenhague, pelos países emissores. Segundo o parecer, se se concretizarem apenas as ações propostas ali pelos países emissores, até o fim do século a temperatura planetária se elevará em 3,5 graus Celsius, com "efeitos desastrosos para a produção agrícola, a disponibilidade de água e os ecossistemas em geral", além de elevação do nível do mar e possível desaparecimento de ilhas no Pacífico (O Globo, 31/8). Esse relatório foi reforçado por outro, da Administração Nacional dos Oceanos e Atmosfera, dos Estados Unidos, segundo o qual sete dos dez indicadores de aquecimento global "estão em ascensão".
Nada disso, entretanto, significa que se terá nestes próximos tempos mudança importante nos rumos dessa grave questão. As lógicas financeiras, que influenciam países e empresas, continuam a comandar o processo. De 4 a 9 de outubro, em Tianjin, na China, será realizada mais uma reunião preparatória da assembleia-geral da Convenção do Clima, prevista para novembro em Cancún, no México. Mas não se espera que aconteça em Tianjin nenhum milagre. Nem mesmo em Cancún. O próprio secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, tem reiterado que não se prevê nenhum acordo importante para Cancún - no máximo, a definição de um "roteiro" para a discussão seguinte, na África do Sul, em 2011. Talvez se defina - na linha do relatório do IAC - que não seja renovado em outubro o mandato de Rajendra Pachauri, que pretendia ficar mais quatro anos no posto.
O governo brasileiro, que não contesta os relatórios do IPCC, anunciou na semana passada que já tem R$ 200 milhões para combater efeitos de mudanças climáticas, com projetos de pesquisas e ações específicas, que serão prioritárias no semiárido nordestino. Ali, como mostrou a recente Conferência sobre Desertificação, os problemas não cessam de avançar, com a contribuição do clima.
É importante, mas é pouco. Os eventos extremos entre nós têm-se intensificado - basta lembrar enchentes e desabamentos no Rio Grande do Sul, em Santa Catarina e no Paraná, inundações em São Paulo, eventos terríveis no Nordeste, elevação inédita de temperaturas no Centro do País , com nível inacreditável de queimadas, notícias de avanço do nível do mar e destruição de ocupações no litoral.
As informações são a cada dia mais contundentes, o ceticismo perde espaço. É preciso avançar rapidamente com políticas públicas. Só que nos faltam instrumentos eficazes. Ainda no começo desta semana, como lembrou este jornal (5/6), "os remédios para mudanças de microclimas são muito complexos". E a situação de emergência, de extrema secura do ar na capital no mês de agosto, não pôde ser enfrentada com eficácia, porque "envolve toda a parte de ocupação do solo e também uma política de mobilidade. E São Paulo não tem um Plano B" (6/9). É grave.”