Impulsionada pela crise ambiental que assola o planeta, surgiu a Tecnologia da Informação Verde (TI Verde), que engloba o conceito de eficiência - muito além da energética e que inclui até as relações trabalhistas - e que agora sai dos gabinetes dos CIOs e chega às salas de aulas.
A Universidade Cidade de São Paulo (Unicid) foi uma das primeiras universidades brasileiras a incluir no seu currículo uma matérias específica para abordar TI Verde.
O coordenador do curso é Anselmo Lucas, formado em publicidade e com especialização em análise de sistemas, área em que trabalha há mais de 20 anos. Ele é autor do livro Green IT, baseado na sua pesquisa sobre o tema.
Em entrevista à Revista Sustentabilidade, Lucas disse que o conceito de TI verde é bastante amplo, passando pela produção, utilização, descarte de equipamentos eletrônicos, até a forma de contratação de funcionários pelas empresas, numa visão ética do negócio e do mundo em todos os aspectos, inclusive na contratação da mão de obra altamente especializada (que o setor necessita mas, muitas vezes, é terceirizada sem direitos sociais).
"Fazer contratações com o objetivo de burlar a lei e pagar menos impostos é deixar de ser ético", disse. "O TI Verde combate a falta de ética."
Leia a abaixo os principais trechos da entrevista:
Revista Sustentabilidade: O que é tecnologia da informação verde?
Anselmo Lucas: TI Verde é um movimento internacional que tem o objetivo de minimizar os impactos prejudiciais ao planeta causados pelas tecnologias em geral. Durante muito tempo, predominou a ideia de que a tecnologia era algo limpo, que não causava danos ao meio ambiente. Mas alguns estudos mostraram que a coisa não é bem assim
Por exemplo: hoje, a indústria de TI - computadores, eletrônicos - emite a mesma quantidade de CO2 na atmosfera que os aviões. A produção de computadores causa uma séries de danos, como alta emissão de gás carbônico e geração de resíduos, além do consumo de água e matérias primas. Para se produzir um computador, gasta-se uma energia muito superior a que o computador vai consumir durante o período de vida útil.
RS: Qual é o papel do TI Verde neste processo?
Lucas: A ideia é pegar conceitos de responsabilidade socioambiental e trazer para a área de tecnologia. O objetivo da TI Verde é minimizar os impactos das tecnologias de uma maneira ampla, tanto na produção quanto no uso e no descarte dos equipamentos. E também promover a inclusão digital.
Hoje em dia, a China, a Índia, o Afeganistão, os países da África recebem o lixo eletrônico de outras nações, as chamados desenvolvidas. Nos países receptores, você encontrará cidades literalmente submersas no lixo eletrônico.
RS: O Brasil recebe este lixo também?
Lucas: Hoje não é possível afirmar que o Brasil não sofra do mesmo problema. Infelizmente, não existe nenhum trabalho de investigação que mostre o contrário. Em algumas cidades na Índia, por exemplo, é possível encontrar crianças trabalhando na manufatura de lixo eletrônico, e como neste tipo de resíduo você encontra uma série de metais tóxicos e preciosos, como ouro e prata, as pessoas tentam extrair este material de uma maneira artesanal e rústica, sem uso de qualquer tipo de equipamentos de segurança. Crianças derretem placas sob fogareiros para facilitar a separação dos elementos, inalando a fumaça tóxica que é emitida. Para tirar os cobres dos cabos, eles queimam o plástico, o que gera uma fumaça tóxica e prejudicial às pessoas e o meio ambiente. A água da chuva sobre os eletrônicos gera um caldo tóxico, que acaba indo para o solo, contaminado o lençol freático e rios. A reciclagem muitas vezes é feita de uma maneira inadequada por falta de regulamentação.
RS: O que significa a técnica de virtualização?
Lucas: É um aspecto da TI Verde que busca aumentar o tempo de uso dos equipamentos. Hoje, troca-se os equipamentos de computação a cada três anos. A virtualização proporciona um aumento do tempo de obsolescência, ou seja, em vez de usar o equipamento por três anos, você o utiliza por até nove anos.
RS: Como ela funciona?
Lucas: Utiliza-se um computador (servidor) "mais possante", com vários processadores. Os PCs ligados a este servidor transformam-se apenas em terminais, como um dispositivos de entrada de dados. O processamento é feito no servidor. Antigamente, não existia processamento local nos terminais, era tudo feito no servidor, o mainframe. Com isto, consegue-se elevar a vida útil dos computadores antigos, já que não precisam ser tão sofisticados. Com uma rede virtualizada, você consegue trabalhar com computadores antigos por oito, nove anos. Outro aspecto da virtualização é a criação de servidores lógicos dentro de um servidor convencional. Dessa forma, um único servidor físico pode ter vários servidores lógicos trabalhando de forma independente. Essa técnica reduz a necessidade de compra de novos equipamentos, além de uma grande economia de espaço físico nos data centers.
RS: Isto seria uma reutilização dos computadores antigos?
Lucas: Exatamente, tenta-se reutilizá-los. A TI Verde, além de tentar prolongar o tempo de vida útil do equipamento, também auxilia no processo de doação. Algumas empresas doam os equipamentos antigos, mas isso não fará muito sentido, pois as pessoas não conseguirão executar a maioria dos programas existentes hoje em dia. A partir de uma rede virtualizada, estes computadores mais antigos poderão ser utilizados de uma maneira bem razoável.
RS: Existe alguma restrição para a virtualização?
Lucas: Existe para a área gráfica, exibição de filmes e fotos. Mas, basicamente, é possível fazer tudo que um PC normal faria, como utilizar um editor de texto, planilha eletrônica e sistemas de contabilidade, que é o que a maioria das pessoas trabalham em 90% do tempo.
Eu sou de uma época onde, ao se quebrar um aparelho eletrônico, as pessoas levavam o equipamento para o conserto. Hoje em dia, é mais barato comprar um novo do que consertar. Os eletrônicos são descartáveis. Não adianta doar um equipamento quebrado, e também não adianta só doar. É necessário capacitar a pessoa que irá recebê-lo, é necessário deixar o equipamento em condições mínimas de uso. A TI Verde se preocupa com todo este processo. Quando realmente precisar descartar o equipamento, deve-se fazer da forma mais adequada possível, diminuindo os impactos ao meio ambiente.
RS: Quais as vantagens do ti verde para as empresas?
Lucas: O conceito base de TI Verde é minimizar os impactos que as tecnologias causam ao planeta. Existe uma falsa ilusão de que a TI Verde trata apenas de ações de eficiência energética, talvez pelo foco dado pelos fabricantes de computadores. É logico que o índice de economia de energia está vinculado ao processo e às práticas, mas não é só isto. Um dado importante sobre os benefícios econômicos é que as empresas conseguem economizar até 30 % de todas as suas despesas com tecnologia. Em um momento de crise mundial, uma situação como esta é uma aliada na redução de custos com energia elétrica e aumento da vida útil. Quando se vende menos, as empresas, para manterem a sua lucratividade, precisam economizar, e nesse aspecto a TI Verde é uma prática interessante. Além disso, outro ganho importante é o da imagem junto aos clientes e a população em geral. A empresa mostra à sociedade que está preocupada com as questões sociais, em causar menos impactos ambientais e em promover a inclusão digital. Não adianta só falarem de projetos socioambientais, elas têm que provar através de ações. TI Verde é uma destas ações.
RS: Qual é o papel dos softwares no TI verde?
Lucas: Os softwares também precisam se adequar ao TI Verde. Antigamente, os computadores rodavam sistemas de conta corrente, faturamento, contas a pagar, com a capacidade de processamento que, hoje em dia, encontramos em telefones celulares. Hoje, os softwares, de maneira geral, exigem cada vez mais processamento dos computadores, forçando consumidores a fazer mais trocas de equipamentos. A cada nova versão de sistemas operacionais é necessário atualizar o hardware. A indústria de software também precisa perceber que deve ser mais eficiente. Ela precisa criar seus aplicativos de modo a utilizar menos recursos de hardware. Hoje em dia não há esta preocupação, não há limite. Precisa-se repensar este processo.
RS: Sobre o movimento cloud computing, existe alguma ligação com a TI Verde?
Lucas: A idéia do cloud computing é, justamente, utilizar software com menor consumo de hardware e com equipamentos menos complexos. Hoje em dia, quando você quer ter um editor de texto, você tem que comprá-lo. Para usar o Word 2007, por exemplo, é necessário um equipamento melhor do que o seu antecessor, o Word XP. É necessário também mais memória e melhor processamento. O cloud computing trabalha com outro conceito. A ideia é que não é necessário o uso de um computador muito complexo para utilizar o editor de texto ou planilha eletrônica. Os arquivos não precisam estar gravados localmente, o arquivo pode ficar em algum lugar na internet, em servidores que podem estar na Finlândia, Brasil ou em qualquer outro lugar. De um simples celular você pode acessar, e não precisa se preocupar com o armazenamento de arquivos e nem com backups. É mais ou menos o que acontece com as caixas de e-mails. As mensagens podem ser armazenadas em seu computador pessoal ou nos servidores do provedor. E, outro detalhe, não existe a preocupação de comprar um editor de texto, uma planilha eletrônica. No cloud computing, o valor pago ao provedor já contempla o uso de editores de texto ou planilhas eletrônicas, a licença não é necessária.
RS: E isto também aumentaria a vida útil do computador?
Lucas: Sim. Desta forma, o editor de texto, que ficaria no provedor, exigiria menos recursos do seu computador. As pessoas poderiam ficar mais tempo com seus computadores, sem se preocupar em trocá-los. É o contrário do que vem acontecendo: cada versão nova de software exige computadores mais avançados.
De um simples celular, as pessoas poderiam acessar seus arquivos sem se preocupar se terão ou não memória suficiente.
Revista Sustentabilidade: Qual é o futuro do TI Verde no Brasil?
Anselmo Lucas: Em breve, acontecerá o que chamamos de convergência, que é a junção computador, TV, rádio, Internet, telefone, tudo em um só dispositivo. Há alguns anos atrás, todos pensavam que esse dispositivo seria o notebook, mas não, é o celular. Não tem como ter grandes processadores no celular, tem que ser coisas simples. Por mais que se invista em tecnologia, o celular é o dispositivo mais simples, até por causa do tamanho. Eu imagino que ele vai se tornar cada vez mais importante. Eu acho que chegará um momento que ninguém terá o computador, desktop tradicional. O celular não poderá "rodar" softwares de grande necessidade de processamento. Existirão softwares mais simples, para usar no dia-a-dia. Já temos cidades, como Brasília, em que existem mais de um celular por habitante. Rio de Janeiro e São Paulo também estão indo por este caminho, ao passo que o computador está muito distante de atingir o mesmo índice de distribuição entre a população. Eu acho que o futuro é cloud computing.
RS: Qual é o papel do usuário neste processo?
Lucas: O usuário será o fiel da balança. Ele está sendo testado a todo momento. Cada nova tecnologia precisa ter sua aprovação. Se o usuário achar uma tecnologia complicada e não se interessar, o fabricante terá que achar outra. Eu acredito que os celulares serão o futuro da computação de uma maneira geral, para uso doméstico. Lembra do seriado Jornada nas Estrelas? Eles tinham o dispositivo do tamanho de um celular que fazia tudo.
RS: Na sua opinião, quais seriam as Questões mais polêmicas sobre a área de tecnologia?
Lucas: Um aspecto polêmico em TI Verde, acredito, é a contratação de consultores. As empresas querem economizar com mão de obra e, assim, não querem contratar funcionários. Então, chamam as consultorias. Estas, por sua vez, não contratam seus programadores como funcionários, mas sim como empresas. É, basicamente, um mero dispositivo para pagar menos impostos e burlar as leis trabalhistas. A TI Verde combate este tipo de ação. A população, de uma maneira geral ,é lesada por este tipo de atitude. Este programador, no futuro, não terá direito à aposentadoria e uma série de outros benefícios, e isto já ocorre há mais de 20 anos no Brasil. Qual será o final deste pessoal? Um dos conceitos da responsabilidade socioambiental é ser ético. Fazer contratações com o objetivo de burlar a lei e pagar menos impostos é deixar de ser ético. A TI Verde combate a falta de ética.
Fonte: Revista Sustentabilidade
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