joi, decembrie 01, 2005

"É tempo de agir para um acordo EUA-Europa sobre agricultura"

"As nações da Organização Mundial de Comércio (OMC) adoptaram em Doha, no Qatar, a 14 de Novembro de 2001, uma enérgica agenda pró-desenvolvimento com o objectivo explícito de estender a prosperidade aos mais vulneráveis e pobres do mundo.
A Agenda de Doha para o Desenvolvimento assinala uma oportunidade única para atenuar a pobreza através da liberalização do comércio. Quatro anos depois das promessas iniciais, assistimos a vários desentendimentos na comunidade de comércio internacional acerca da melhor forma de seguir em frente, mas começa a escassear o tempo para que o mundo possa concretizar os compromissos assumidos. As negociações em Hong Kong que têm início a 13 de Dezembro podem bem ser a nossa última oportunidade para levar a Agenda de Doha a bom porto.
Com a intenção de catalisar uma liberalização abrangente das trocas comerciais, os Estados Unidos avançaram com uma arrojada proposta de reformas para incentivar o crescimento económico e aliviar a pobreza no sector que mais bloqueou as negociações de Doha: a agricultura. Estudos do Banco Mundial mostram que 93 por cento dos benefícios provenientes da liberalização do comércio para os países em vias de desenvolvimento traduzir-se-iam em acesso ao mercado para os seus produtos agrícolas.
Com este propósito, os Estados Unidos propuseram uma redução das tarifas, que representam as mais significativas barreiras às trocas comerciais, em 55 a 90 por cento, com os maiores cortes a incidir sobre as tarifas mais altas. Para além disso, os EUA sugeriram que se reduzisse para um por cento o número de produtos isentos de tarifas de regulação. Dados do Banco Mundial sugerem que, à medida que a percentagem de bens tidos como "sensíveis" aumenta, os benefícios da liberalização do comércio diminuem consideravelmente: dois terços dos potenciais benefícios poderiam perder-se, se os países desenvolvidos isentassem mesmo dois por cento dos seus produtos. Posto isto, esta é uma oferta bastante ambiciosa na qual os EUA se encontram plenamente empenhados.
Contudo, as propostas americanas significam pouco sem o apoio do nosso parceiro comercial mais importante, a União Europeia.
A 28 de Outubro, o comissário europeu para o Comércio, Peter Mandelson, dilatou a "última oferta" da Europa no que respeita à liberalização da agricultura. Os mais elevados cortes de tarifas previstos pelo plano da União Europeia seriam de 60 por cento, e de 8 por cento para os produtos classificados como "sensíveis".
Apesar de significativamente mais generosa do que outras ofertas, esta não é, infelizmente, tão abrangente como a sua homóloga americana. Acresce ainda o facto de que, de acordo com o Banco Mundial, as tarifas mais elevadas precisarem ser reduzidas em pelo menos 75 por cento para produzir resultados. Consequentemente, em resultado da proposta europeia, o comércio cresceria apenas marginalmente.
Muitos dos parceiros da Europa na comunidade em vias de desenvolvimento e na América estão, compreensivelmente, pouco satisfeitos. Para salvar a Agenda de Doha, a União Europeia precisa de ser mais flexível com relação à agricultura. E ainda que, por exemplo, a proposta europeia de "ajuda por comércio" seja meritória, nunca tomará o lugar de uma verdadeira reforma da política agrícola.
Escusado será dizer que a Europa compreende os grandes benefícios do comércio. Desde o Tratado de Roma, em 1957, a integração económica alicerçou o projecto europeu e a perseguição de um mercado comum dentro das fronteiras da União Europeia conduziu a um aumento significativo da prosperidade dos Estados-membros. Da mesma forma, a liberalização do comércio poderia ajudar o resto do mundo.
Estimativas do Banco Mundial dizem que as nações em vias de desenvolvimento que desenvolvem uma agenda de comércio livre e de boa governação poderiam ver mais do que triplicadas as suas taxas de crescimento. O comércio livre consagrado nos acordos multilaterais da Organização Mundial do Comércio é o elemento chave para retirar da pobreza 300 dos 500 milhões de pessoas mais pobres do mundo.
E os ganhos não são apenas unilaterais. A União Europeia pode vir a beneficiar significativamente com a concretização da Agenda de Doha, desde que os desentendimentos no que respeita à agricultura venham a ser sanados. Quaisquer concessões que a Europa faça no comércio agrícola serão seguramente compensadas por um acesso renovado ao mercado para produtos e serviços europeus noutros sectores.
As vantagens para a Europa são claras: ao explorar a sua vantagem competitiva em serviços e em output de conhecimento, a União Europeia pode expandir a sua economia com a ajuda do acesso ao mercado facilitado pela Agenda de Doha. Mas talvez sejam os consumidores individuais na Europa aqueles que mais têm a ganhar. Sendo certo que as tarifas e os subsídios mantêm os preços artificialmente altos, a abertura do mercado europeu faria descer os preços nos supermercados locais.
A Europa reitera, desde há muito, o seu empenho em ajudar os mais pobres do mundo. Chegou a altura de agir. Abraçar a proposta de reforma agrícola americana seria um passo importante rumo à redução da pobreza - e seria também benéfico para a Europa. Mas o tempo escasseia e o mundo pode não voltar a ter uma oportunidade para contribuir para o bem comum. Os Estados Unidos convidam os seus parceiros europeus a apoiar a concretização da Agenda de Doha antes que seja tarde de mais." (Adrienne S. O'Neal - Público, 01/12/2005)

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