luni, februarie 13, 2006

"Ajudar a tapar o buraco do ozono torna-se negócio"

"A CarbonoZero, a primeira empresa portuguesa a operar no comércio de compensação voluntária de emissões de carbono, está à beira de duplicar a área de floresta portuguesa que tem sob contrato. Ao fim dos dois primeiros meses de actividade, tem negociações em curso com uma empresa, cuja identidade se escusa a identificar, para um nível de compensações de emissões que equivale ao dobro da área de florestação garantida até agora.
A CarbonoZero foi lançada no final de Novembro pela E. Value, consultora de serviços de Engenharia e Economia do Ambiente, permitindo aos cidadãos e empresas compensar as suas emissões de gases com efeito de estufa (GEE), nomeadamente dióxido de carbono, através de um sistema que apoia a reflorestação do país. O sistema é inovador em Portugal, embora já funcione em diversos países europeus e também nos EUA, seguindo um 'guião' de negócio semelhante.
Para os cidadãos e empresas que não tenham de cumprir qualquer obrigação decorrente do Protocolo de Quioto, mas que queiram compensar de forma voluntária a poluição que produzem diariamente, a CarbonoZero lançou um sistema em que a quantidade de GEE lançados para a atmosfera é compensada em igual proporção com a plantação de novas árvores, de preferência em zonas ardidas recentemente no país. A nível internacional, a reflorestação e os projectos tecnológicos para redução de emissões e de energia limpa constituem os dois principais destinos de compensação voluntária. A CarbonoZero trabalha neste momento apenas na reflorestação.
O que a CarbonoZero faz é converter os quilos ou toneladas de carbono (carbono equivalente é o termo ao abrigo do qual se convencionou integrar os seis GEE) emitidos no dia-a-dia ou em viagem por cidadãos e empresas, em projectos florestais que abatam a correspondente proporção de carbono. A floresta é um sumidouro natural de carbono, através do processo de fotossíntese.
O cálculo da 'pegada carbónica' para cada indivíduo pode ser obtido através da calculadora online disponível na página da CarbonoZero, enquanto para as empresas os cálculos são mais complexos, exigindo a colaboração de peritos. Trata-se também, neste caso, de um exercício normalmente associado a programas de redução de emissões e de poupança energética.
Quanto ao que o cidadão compensa, a unidade mínima é cinco euros, equivalente a 250 kg de CO2 emitido - para a tonelada de carbono a um preço médio de 20 dólares. O dinheiro pago pelos voluntários é depois canalizado para projectos de florestação, com contratos a 30 anos, ao abrigo dos quais os produtores florestais têm de respeitar uma série de condições por um período de 30 anos. Entre elas estão a gestão sustentada da floresta, a obrigação de implantar 80 por cento de espécies indígenas e a autorização para uma monitorização da floresta pela CarbonoZero.
Paralelamente ao portfolio de floresta já detido de 120 hectares entre Setúbal e Santarém, 50 dos quais prestes a entrar, a CarbonoZero está a constituir uma bolsa de reserva, com áreas que encaixam nas condições exigidas pela empresa e ficam em carteira para novos clientes.
Os produtores florestais parecem ser o segmento mais animado com o aparecimento deste novo instrumento de co-financiamento da floresta. 'É [para os produtores florestais] a oportunidade de ver remunerado o serviço de floresta. Até agora, era apenas uma externalidade positiva', afirma Sandra Martinho, directora da E. Value. A resposta da empresa a esta procura é, no entanto, 'algo conservadora', por ter de 'uportar grande parte do risco ao longo das três décadas de contrato'. A floresta sob controlo da CarbonoZero, que já investiu neste projecto quase 200 mil euros, vai permitir o sequestro de cerca de seis mil toneladas de CO2, acumulado ao longo dos 30 anos, o período previsto também no Protocolo de Quioto.
Luís Unas, representante do parceiro florestal deste projecto, a Aflops - Associação de Produtores Florestais, explica a 'euforia' para entrar no portfolio. 'Os produtores florestais têm a noção de que é uma pequena parte do real valor da floresta. Oitenta por cento do valor para a sociedade tem a ver com a biodiversidade e a conservação do solo.'

Um mercado a caminho dos 37 mil milhões de euros
A entidade mais atenta à evolução do mercado do carbono, a nível global, é o Banco Mundial, por via da sua responsabilidade particular na criação destes mecanismos que transformaram a poluição num activo financeiro, nomeadamente com o Protocolo de Quioto.
No seu último relatório sobre a evolução e tendências do mercado, de Maio de 2005, o banco lembra que o segmento de compensações voluntárias é pequeno - não há estimativas certas sobre a sua dimensão -, embora as iniciativas ocorram tanto na Europa como nos EUA. Embora residual, o Banco Mundial assinala que está em crescimento. A ausência de dados sobre este segmento não permite também saber quanto vale, mas sabe-se que o mercado global do carbono negociou nos últimos três anos cerca de 300 milhões de créditos de carbono (convertíveis em 'autorizações para poluir'), equivalentes a 1,5 mil milhões de euros. Espera-se que movimente, entre 2008 e 2012, 37 mil milhões de euros.
Desde o seu lançamento, a CarbonoZero tem procurado sensibilizar as empresas para o significado do seu 'selo'. 'A reacção foi de interesse', mas ainda não concretizado. Mais do que quantificar as emissões, as empresas são sensibilizadas a adoptar programas de redução de emissões, com a quantificação das respectivas poupanças. Para além de baixar a factura energética, 'tem também como mais-valia poder utilizar, em termos de comunicação, o seu estatuto C0 (CarbonoZero), dentro do perfil de responsabilidade corporativa'.
Apesar dos benefícios ambientais que estas iniciativas comportam, não têm, no entanto, efeito directo no bolo geral de GEE emitidos pelo país e, por conseguinte, no cumprimento das metas do protocolo de Quioto. 'Mas tem um impacte indirecto', dizem as duas responsáveis, Maria João e Sandra Martinho. 'Um instrumento voluntário como este não vai abater ao inventário nacional de emissões, mas estamos na verdade a aumentar a capacidade nacional de sumidouros de emissões, o que acaba por ajudar o país nos objectivos de Quioto. No limite, este instrumento apela a uma diminuição do consumo de energia', acrescenta Sandra Martinho.
O C0 'é um instrumento voluntário que gera créditos não convertíveis em licenças', mas a contabilização das reduções de CO2, a escolha de projectos e a execução do sequestro de carbono 'seguiram as regras de Quioto', como se fossem certificados de redução de emissões. O processo é, por sua vez, auditado pela Deloitte.
A possibilidade de a E. Value abrir a CarbonoZero a um parceiro financeiro, como tem acontecido a iniciativas congéneres a nível internacional, não é excluída. 'Temos tido uma abordagem conservadora nas florestas de modo a conseguirmos suportar a dimensão financeira necessária, mas, se crescermos, temos com certeza de arranjar um parceiro financeiro'. Pelo contrário, a hipótese de a CarbonoZero evoluir para um fundo de investimento, para gerar créditos no mercado, é afastada. 'Estaríamos a falar de outra coisa que não era, de certeza, a C0', é a resposta.
A CarbonoZero conta com 10 clientes individuais, a maioria dos quais aderiu na altura do Natal. Compraram no total cerca de quatro toneladas de carbono. Houve também quem achasse que um certificado C0 era um bom presente natalício para os amigos.
Maria João e Sandra Martinho estão convictas de que, tal como acontece lá fora, o certificado CO2 é 'um instrumento de comunicação poderoso'. Para o primeiro semestre do ano, a prioridade da empresa é alargar o leque de clientes individuais, enquanto ao lado empresarial são propostas duas opções: ou a empresa assume a compensação de emissões e vende aos seus clientes um produto que já tem esse valor incorporado - tirando partido do facto, em termos de imagem -, ou deixa essa opção ao desejo dos seus clientes, pagando quem quer, como faz a British Airways.
As soluções de merchandising são também semelhantes às que se encontram lá fora, nomeadamente o 'kit-estatuto', com um conjunto de recomendações de comunicação externa e interna, em que a componente do clima e da protecção ambiental está presente.
Eventos como o da recente conferência de Michael Porter em Lisboa e a conferência de cientistas de economia ecológica, realizada em Junho, na Gulbenkian, também em Lisboa, foram transformados em 'eventos CarbonoZero', tendo rendido cerca de 40 toneladas de compensação de emissões. As emissões compensadas diziam basicamente respeito às viagens de avião." (Lurdes Ferreira - Público, 13/02/2006)

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