Aprovado no início de fevereiro, após menos de um ano de tramitação em regime de urgência, o projeto de lei sobre gestão de florestas públicas provoca reações controversas. Um dos usos previstos - a concessão florestal - é tido por alguns como instrumento eficaz de controle de grilagens e derrubada ilegal de árvores. Por outros, porém, é considerado uma ameaça à biodiversidade. A forma de decisão sobre algumas concessionárias e a eficiência da fiscalização mostram-se peças-chave nesse tabuleiro.
Ao longo de sua tramitação, o projeto recebeu críticas e elogios da sociedade civil organizada, além de emendas variadas à sua redação. Uma comissão na Câmara chegou a ser especialmente formada para analisá-lo. A proposta é considerada por alguns um instrumento eficaz para conter grilagens e desmatamento ilegal. Por outros, uma ameaça à biodiversidade, especialmente a amazônica. E, como um dos capítulos finais da história, foi aprovada na Câmara dos Deputados no último dia 1º de fevereiro. Agora espera apenas a sanção do presidente Lula. Trata-se do já famoso PL 4.776, de fevereiro de 2005, que legisla sobre a gestão de florestas públicas, com uso sustentável, e cria o Serviço Florestal Brasileiro (SFB) e o Fundo Nacional de Desenvolvimento Florestal (FNDF).
A proposta prevê três formas de gestão de florestas públicas: a criação e a gestão direta de Florestas Nacionais (Flonas), a destinação às comunidades locais e, finalmente, a que provoca controvérsias - a concessão florestal. Ela será aplicada em florestas naturais ou plantadas e nas unidades de manejo das Florestas Nacionais. Em outras palavras: entregará nacos de florestas para cuidado privado. O PL estabelece que 3% das florestas públicas podem ser concedidas e que os contratos podem ser firmados por um prazo de até 40 anos, dependendo do caso. A expectativa é que os prazos variem de 20 a 40 anos, por causa dos ciclos de vida das espécies a serem exploradas, que dificilmente são menores do que duas décadas. As terras concedidas não deixariam de ser públicas e, a rigor, tampouco deixariam de ser florestas, pois a empresa concessionária terá de fazer o manejo sustentável da área. Depois de dez anos, a lei será revista.
A justificativa dos que defendem a proposta é de que a proibição pura e simples de uso e exploração nunca impediu as invasões de terras e o desmatamento ilegal, em especial na floresta amazônica. Com a guarda privada, os pedaços que forem concedidos poderiam ser protegidos e bem manejados, num exercício de engenharia florestal. "O imobilismo brasileiro se mostrou ineficiente. Passamos um longo tempo acreditando que a proibição dava resultados. Agora vamos provar que floresta em pé também pode dar dinheiro", diz o relator do PL, deputado Beto Albuquerque (PSB-RS). Em sua maior parte, as ONGs concordam com quase todos os pontos da proposta, desde que respeitados seus objetivos principais. Há apenas duas emendas, encaminhadas pelo Senado, que causam preocupação - uma por dar margem a que a decisão sobre concessões seja protagonista de jogos políticos e a outra por colocar forças opostas em um mesmo conselho, que decidirá sobre o Serviço Florestal Brasileiro. De maneira geral, a organização não-governamental WWF vê positivamente a novidade. No dia seguinte à aprovação do PL, a entidade estampava em seu site: "Para o WWF-Brasil, a aprovação nesta quarta-feira (1/02) pelo Senado do projeto de lei que estabelece a gestão das florestas públicas para atividades econômicas sustentáveis e de pesquisa é um passo importante neste início de 2006 e representa um avanço para o desenvolvimento do setor florestal, o combate à grilagem e o desmatamento". No texto, a secretária geral do WWF-Brasil, Denise Hamú, dizia que a lei promoverá a modernização do setor florestal brasileiro ao viabilizar a exploração de recursos naturais por meio de concessões. "O PL não vai salvar a Amazônia, mas vai diminuir o grande problema da região, que é a questão fundiária", avalia Marcelo Marquezine, engenheiro florestal membro do Greenpeace, organização que acredita na eficácia do PL, desde que bem implementado - e fiscalizado. "Nos seus objetivos estratégicos - entre eles, frear a grilagem e o desmtamento, ordenando o uso da terra para fins florestais, e não os agropecuários - e na função de ordenar e dar chance ao surgimento de um setor, o PL é bom. No entanto a implementação será fundamental para o cumprimento dos objetivos", adiciona Marquezine.
A previsão é de que a fiscalização seja feita pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama), além de órgãos estaduais e municipais. E ela seria possibilitada pelos recursos dos próprios contratos de concessão: 20% do dinheiro iria para sustentar as ações de fiscalização. Presidente-de-honra da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), o professor Aziz Ab'Saber dizia em maio do ano passado à Rets que "pretender conceder Flonas a ONGs estrangeiras ou alugar para particulares é de uma idiotice fantástica. Somente mesmo quem não conhece a Amazônia, quem não sabe interpretar o que aconteceu fora das Flonas e quem nunca se preocupou com o futuro da biodiversidade regional pode pensar nisso". De lá para cá, mudanças foram feitas no texto, aprovado de uma forma que parece agradar, ao menos em parte, à maioria das ONGs ambientalistas. Mas o professor da USP não se convence. "Acho um absurdo total. A expressão 'manejo florestal' existe nos projetos do governo federal, mas eles não têm noção do espaço total, das especificidades da Amazônia, não conhecem o espaço da floresta biodiversa. A intenção de quem tiver concessão será retirar madeiras nobres - e elas não estão em todo lugar. Vai-se usar serra, abrir caminho para os caminhões chegarem para levar a madeira embora etc.", diz ele, explicando que, pelo fato de as árvores nobres estarem espalhadas aleatoriamente pela mata, a interferência será maior e igualmente espalhada.
O diretor do Programa Nacional de Florestas da Secretaria de Biodiversidade e Florestas do Ministério do Meio Ambiente (MMA), Tasso Rezende de Azevedo, não vê, no entanto, outra opção para cuidar das florestas. "Cerca de 1.200 instituições participaram do processo de consulta para elaboração do PL. Usar a floresta de modo sustentável é uma estratégia de preservação. Se alguns setores não acreditam em manejo sustentável, só colocando uma redoma de vidro", diz.
As 1.200 consultas não impediram, entretanto, que durante a tramitação o texto fosse alterado e trouxesse elementos que preocupam a sociedade civil organizada. É o caso de duas das emendas apresentadas pelo Senado ao PL. Uma estabelece que concessões de terras acima de 2.500 hectares sejam aprovadas pelo Congresso. A outra cria um Conselho Gestor, composto por representantes de oito ministérios, que vai aprovar as ações do SBF e do novo fundo. No primeiro caso, o WWF-Brasil considera que a decisão é levada a uma esfera política, em vez de técnica. Quanto ao Conselho Gestor, a ONG considera que o fato de estar prevista a participação de oito ministérios forma um grupo com conflito de interesses. O Greenpeace concorda que hà possibilidade de manobras políticas caso as decisões sobre grande áreas de terras tenham de passar pelo Congresso. Segundo a ONG, isso pode burocratizar o processo. "É um absurdo, já que o projeto é sobre concessão de uso de floresta, não de propriedade da terra", diz Paulo Adário, coordenador da campanha Amazônia, do Greenpeace, em texto divulgado no site da instituição.
in DO TERCEIRO SETOR.
Ao longo de sua tramitação, o projeto recebeu críticas e elogios da sociedade civil organizada, além de emendas variadas à sua redação. Uma comissão na Câmara chegou a ser especialmente formada para analisá-lo. A proposta é considerada por alguns um instrumento eficaz para conter grilagens e desmatamento ilegal. Por outros, uma ameaça à biodiversidade, especialmente a amazônica. E, como um dos capítulos finais da história, foi aprovada na Câmara dos Deputados no último dia 1º de fevereiro. Agora espera apenas a sanção do presidente Lula. Trata-se do já famoso PL 4.776, de fevereiro de 2005, que legisla sobre a gestão de florestas públicas, com uso sustentável, e cria o Serviço Florestal Brasileiro (SFB) e o Fundo Nacional de Desenvolvimento Florestal (FNDF).
A proposta prevê três formas de gestão de florestas públicas: a criação e a gestão direta de Florestas Nacionais (Flonas), a destinação às comunidades locais e, finalmente, a que provoca controvérsias - a concessão florestal. Ela será aplicada em florestas naturais ou plantadas e nas unidades de manejo das Florestas Nacionais. Em outras palavras: entregará nacos de florestas para cuidado privado. O PL estabelece que 3% das florestas públicas podem ser concedidas e que os contratos podem ser firmados por um prazo de até 40 anos, dependendo do caso. A expectativa é que os prazos variem de 20 a 40 anos, por causa dos ciclos de vida das espécies a serem exploradas, que dificilmente são menores do que duas décadas. As terras concedidas não deixariam de ser públicas e, a rigor, tampouco deixariam de ser florestas, pois a empresa concessionária terá de fazer o manejo sustentável da área. Depois de dez anos, a lei será revista.
A justificativa dos que defendem a proposta é de que a proibição pura e simples de uso e exploração nunca impediu as invasões de terras e o desmatamento ilegal, em especial na floresta amazônica. Com a guarda privada, os pedaços que forem concedidos poderiam ser protegidos e bem manejados, num exercício de engenharia florestal. "O imobilismo brasileiro se mostrou ineficiente. Passamos um longo tempo acreditando que a proibição dava resultados. Agora vamos provar que floresta em pé também pode dar dinheiro", diz o relator do PL, deputado Beto Albuquerque (PSB-RS). Em sua maior parte, as ONGs concordam com quase todos os pontos da proposta, desde que respeitados seus objetivos principais. Há apenas duas emendas, encaminhadas pelo Senado, que causam preocupação - uma por dar margem a que a decisão sobre concessões seja protagonista de jogos políticos e a outra por colocar forças opostas em um mesmo conselho, que decidirá sobre o Serviço Florestal Brasileiro. De maneira geral, a organização não-governamental WWF vê positivamente a novidade. No dia seguinte à aprovação do PL, a entidade estampava em seu site: "Para o WWF-Brasil, a aprovação nesta quarta-feira (1/02) pelo Senado do projeto de lei que estabelece a gestão das florestas públicas para atividades econômicas sustentáveis e de pesquisa é um passo importante neste início de 2006 e representa um avanço para o desenvolvimento do setor florestal, o combate à grilagem e o desmatamento". No texto, a secretária geral do WWF-Brasil, Denise Hamú, dizia que a lei promoverá a modernização do setor florestal brasileiro ao viabilizar a exploração de recursos naturais por meio de concessões. "O PL não vai salvar a Amazônia, mas vai diminuir o grande problema da região, que é a questão fundiária", avalia Marcelo Marquezine, engenheiro florestal membro do Greenpeace, organização que acredita na eficácia do PL, desde que bem implementado - e fiscalizado. "Nos seus objetivos estratégicos - entre eles, frear a grilagem e o desmtamento, ordenando o uso da terra para fins florestais, e não os agropecuários - e na função de ordenar e dar chance ao surgimento de um setor, o PL é bom. No entanto a implementação será fundamental para o cumprimento dos objetivos", adiciona Marquezine.
A previsão é de que a fiscalização seja feita pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama), além de órgãos estaduais e municipais. E ela seria possibilitada pelos recursos dos próprios contratos de concessão: 20% do dinheiro iria para sustentar as ações de fiscalização. Presidente-de-honra da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), o professor Aziz Ab'Saber dizia em maio do ano passado à Rets que "pretender conceder Flonas a ONGs estrangeiras ou alugar para particulares é de uma idiotice fantástica. Somente mesmo quem não conhece a Amazônia, quem não sabe interpretar o que aconteceu fora das Flonas e quem nunca se preocupou com o futuro da biodiversidade regional pode pensar nisso". De lá para cá, mudanças foram feitas no texto, aprovado de uma forma que parece agradar, ao menos em parte, à maioria das ONGs ambientalistas. Mas o professor da USP não se convence. "Acho um absurdo total. A expressão 'manejo florestal' existe nos projetos do governo federal, mas eles não têm noção do espaço total, das especificidades da Amazônia, não conhecem o espaço da floresta biodiversa. A intenção de quem tiver concessão será retirar madeiras nobres - e elas não estão em todo lugar. Vai-se usar serra, abrir caminho para os caminhões chegarem para levar a madeira embora etc.", diz ele, explicando que, pelo fato de as árvores nobres estarem espalhadas aleatoriamente pela mata, a interferência será maior e igualmente espalhada.
O diretor do Programa Nacional de Florestas da Secretaria de Biodiversidade e Florestas do Ministério do Meio Ambiente (MMA), Tasso Rezende de Azevedo, não vê, no entanto, outra opção para cuidar das florestas. "Cerca de 1.200 instituições participaram do processo de consulta para elaboração do PL. Usar a floresta de modo sustentável é uma estratégia de preservação. Se alguns setores não acreditam em manejo sustentável, só colocando uma redoma de vidro", diz.
As 1.200 consultas não impediram, entretanto, que durante a tramitação o texto fosse alterado e trouxesse elementos que preocupam a sociedade civil organizada. É o caso de duas das emendas apresentadas pelo Senado ao PL. Uma estabelece que concessões de terras acima de 2.500 hectares sejam aprovadas pelo Congresso. A outra cria um Conselho Gestor, composto por representantes de oito ministérios, que vai aprovar as ações do SBF e do novo fundo. No primeiro caso, o WWF-Brasil considera que a decisão é levada a uma esfera política, em vez de técnica. Quanto ao Conselho Gestor, a ONG considera que o fato de estar prevista a participação de oito ministérios forma um grupo com conflito de interesses. O Greenpeace concorda que hà possibilidade de manobras políticas caso as decisões sobre grande áreas de terras tenham de passar pelo Congresso. Segundo a ONG, isso pode burocratizar o processo. "É um absurdo, já que o projeto é sobre concessão de uso de floresta, não de propriedade da terra", diz Paulo Adário, coordenador da campanha Amazônia, do Greenpeace, em texto divulgado no site da instituição.
in DO TERCEIRO SETOR.
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