"As vacas tornaram-se loucas, as aves apanharam gripe, os peixes foram obrigados a carregar metais pesados, os nitratos passaram a condimentar a água e, mais recentemente, as tintas pintaram de químicos o leite. As crises alimentares sucederam-se nos últimos anos, mas nem isso foi capaz de fazer com que Portugal avançasse com um organismo dedicado a garantir a segurança alimentar. Só na semana passada, com anos de atraso em relação às recomendações da União Europeia e à prática da generalidade dos estados-membros, é que o país passou a dispor de uma entidade para proteger os cidadãos dos riscos causados pela insegurança alimentar - a Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE), que concentrará competências de diversos organismos fiscalizadores extintos com a avaliação de riscos na cadeia alimentar.
A ASAE está criada, mas ninguém arrisca uma data para a sua total operacionalidade. O presidente da estrutura, António Nunes, garante que a organização interna estará concluída nas duas próximas semanas, mas não esconde que há muito para fazer. O secretário de Estado do Comércio, Serviços e Defesa do Consumidor, Fernando Serrasqueiro, assegura que a transição será rápida e que não há vazios na área da fiscalização alimentar. 'Isto não é um processo que nasce do zero', argumenta. 'As instalações são as mesmas e as pessoas vão continuar a fazer o mesmo. O espírito e a organização é que serão diferentes', resume Fernando Serrasqueiro.
A nomeação do director científico e do conselho científico, a aprovação do regulamento interno, a organização do orçamento, a formação dos técnicos que vão passar a inspectores e a transição das propriedades dos organismos extintos para a autoridade fazem parte de um extenso rol de tarefas a concretizar.
Margarida Silva, docente da Escola Superior de Biotecnologia da Universidade Católica, lamenta a instabilidade no sector. 'A rapidez com que as coisas se invertem não é um bom sinal', afirma a especialista em organismos geneticamente modificados. Para o futuro, salienta: 'Precisamos de uma cultura de abertura e transparência. Neste tipo de instituição, a ideia é não alarmar. Acima de tudo há que manter o público calmo e isso não é honesto'. E completa: 'Na ciência são mais as dúvidas que as respostas, as pessoas tem que perceber que as coisas não são a preto e branco'.
A importância da transparência também é sublinhada por Maria Antónia Calhau, responsável pelo Centro de Segurança Alimentar e Nutrição, do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge. 'A autoridade deve privilegiar o princípio do diálogo e da transparência na relação com os outros organismos e dentro de si', refere. A química não é uma defensora do modelo adoptado pela ASAE e explica porquê: 'Para haver fiscalização tem que haver avaliação de riscos. A fiscalização é muito pesada e pode não permitir desenvolver tanto a avaliação quanto é necessário'.
Jorge Morgado, secretário-geral da Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor (Deco), realça a necessidade de uma fiscalização mais eficaz. 'Quando fazemos testes de despistagem encontramos sistematicamente problemas', alega. 'Nas duas vezes que analisámos o mel - exemplifica -, detectámos antibióticos'. Por isso, o dirigente insiste que é preciso investir mais em testes regulares e diversificados. 'Há falta de verbas e de tecnologia para certas pesquisas', aponta.
Para Isabel Sarmento, directora-geral da Federação das Indústrias Portuguesas Agro-Alimentares, o diálogo entre os vários parceiros é essencial para o funcionamento do sistema. Por isso, não compreende por que é que o modelo agora aprovado não inclui um conselho consultivo. 'Um fórum de discussão, com os vários parceiros incluindo consumidores, produtores e indústria é muito importante', diz. Fernando Serrasqueiro discorda. 'Queremos filosofar pouco, esta entidade é virada para a acção', defende.
Isabel Sarmento contra-argumenta: 'A segurança alimentar interessa a todos, não serve só para arranjar culpados'.
A fusão dos vários organismos de inspecção é defendida há muito pela Associação Sindical dos Funcionários da Inspecção Económica. 'Congratulamo-nos com a criação desta autoridade, andamos há oito anos a lutar para que esta lei seja adoptada', referiu o presidente da estrutura, Manuel Portelinha. Apesar disso, lamenta que a autoridade não esteja representada em todas capitais de distrito: 'É importante ter o corpo inspectivo junto das populações'. Quanto à reorganização dos serviços, remata: 'Não sabemos de quase nada, tem havido um secretismo muito grande nisso'.
Aviário esvaziado após a crise dos nitrofuranos: Portugal demorou anos a criar um organismo capaz de responder a crises de segurança alimentar" (Mariana Oliveira - Público, 09/01/2006)
A ASAE está criada, mas ninguém arrisca uma data para a sua total operacionalidade. O presidente da estrutura, António Nunes, garante que a organização interna estará concluída nas duas próximas semanas, mas não esconde que há muito para fazer. O secretário de Estado do Comércio, Serviços e Defesa do Consumidor, Fernando Serrasqueiro, assegura que a transição será rápida e que não há vazios na área da fiscalização alimentar. 'Isto não é um processo que nasce do zero', argumenta. 'As instalações são as mesmas e as pessoas vão continuar a fazer o mesmo. O espírito e a organização é que serão diferentes', resume Fernando Serrasqueiro.
A nomeação do director científico e do conselho científico, a aprovação do regulamento interno, a organização do orçamento, a formação dos técnicos que vão passar a inspectores e a transição das propriedades dos organismos extintos para a autoridade fazem parte de um extenso rol de tarefas a concretizar.
Margarida Silva, docente da Escola Superior de Biotecnologia da Universidade Católica, lamenta a instabilidade no sector. 'A rapidez com que as coisas se invertem não é um bom sinal', afirma a especialista em organismos geneticamente modificados. Para o futuro, salienta: 'Precisamos de uma cultura de abertura e transparência. Neste tipo de instituição, a ideia é não alarmar. Acima de tudo há que manter o público calmo e isso não é honesto'. E completa: 'Na ciência são mais as dúvidas que as respostas, as pessoas tem que perceber que as coisas não são a preto e branco'.
A importância da transparência também é sublinhada por Maria Antónia Calhau, responsável pelo Centro de Segurança Alimentar e Nutrição, do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge. 'A autoridade deve privilegiar o princípio do diálogo e da transparência na relação com os outros organismos e dentro de si', refere. A química não é uma defensora do modelo adoptado pela ASAE e explica porquê: 'Para haver fiscalização tem que haver avaliação de riscos. A fiscalização é muito pesada e pode não permitir desenvolver tanto a avaliação quanto é necessário'.
Jorge Morgado, secretário-geral da Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor (Deco), realça a necessidade de uma fiscalização mais eficaz. 'Quando fazemos testes de despistagem encontramos sistematicamente problemas', alega. 'Nas duas vezes que analisámos o mel - exemplifica -, detectámos antibióticos'. Por isso, o dirigente insiste que é preciso investir mais em testes regulares e diversificados. 'Há falta de verbas e de tecnologia para certas pesquisas', aponta.
Para Isabel Sarmento, directora-geral da Federação das Indústrias Portuguesas Agro-Alimentares, o diálogo entre os vários parceiros é essencial para o funcionamento do sistema. Por isso, não compreende por que é que o modelo agora aprovado não inclui um conselho consultivo. 'Um fórum de discussão, com os vários parceiros incluindo consumidores, produtores e indústria é muito importante', diz. Fernando Serrasqueiro discorda. 'Queremos filosofar pouco, esta entidade é virada para a acção', defende.
Isabel Sarmento contra-argumenta: 'A segurança alimentar interessa a todos, não serve só para arranjar culpados'.
A fusão dos vários organismos de inspecção é defendida há muito pela Associação Sindical dos Funcionários da Inspecção Económica. 'Congratulamo-nos com a criação desta autoridade, andamos há oito anos a lutar para que esta lei seja adoptada', referiu o presidente da estrutura, Manuel Portelinha. Apesar disso, lamenta que a autoridade não esteja representada em todas capitais de distrito: 'É importante ter o corpo inspectivo junto das populações'. Quanto à reorganização dos serviços, remata: 'Não sabemos de quase nada, tem havido um secretismo muito grande nisso'.
Aviário esvaziado após a crise dos nitrofuranos: Portugal demorou anos a criar um organismo capaz de responder a crises de segurança alimentar" (Mariana Oliveira - Público, 09/01/2006)
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