O aquecimento global chegou à Justiça. A Micronésia, uma federação formada por 600 ilhas no Pacífico, a nordeste da Austrália, questiona os planos de modernização de uma usina térmica a carvão na República Tcheca, a milhares de quilômetros dali. Alega prejuízos ao seu território provocados pelo aumento da emissão de gases-estufa na atmosfera. No Alasca, 420 moradores de um vilarejo erguido em uma faixa de terra que vem sendo destruída pelo mar tentam abrir um processo contra 20 gigantes do petróleo e do carvão.
Especialistas em direito ambiental dizem que isso é apenas o começo.
O caso da Micronésia pode vir a ser o primeiro processo judicial de um país contra outro tendo o aumento da temperatura da Terra como pano de fundo. No momento, é verdade, não há nenhum processo tramitando em nenhuma Corte, e a
iniciativa não tem arquitetura legal formal. Mas trata-se de um punhado de ilhas do Pacífico interferindo nos planos de uma empresa de um país europeu, o que não é nada usual. A Micronésia questionou a decisão da companhia de
energia tcheca CEZ de planejar reformas nas instalações de uma térmica movida a carvão marrom, o tipo que contém o mais alto teor de carbono.
A atitude abriu uma brecha: ambientalistas que representam a Micronésia estão participando do processo de estudo dos impactos ambientais (o EIA) do projeto da CEZ.
A ação dos habitantes de Kivalina mirou grupos como a Chevron e a BP America, entre outros pesos-pesados do petróleo e carvão. Em 2008 o processo deu entrada na Califórnia, onde muitas das companhias acusadas têm sede. O argumento dos advogados desse povoado do Alasca relaciona a produção dessas empresas, a emissão de gases-estufa, o aumento da temperatura da Terra e a falta da camada de gelo no mar próximo à costa de Kivalina. Sem o gelo, o
lugar onde vive a comunidade vem sofrendo erosão acelerada, e os habitantes estão mais ameaçados pelas grandes ondas e tormentas. Terão que se mudar e querem indenização. Procuram colocar uma lupa local em um fenômeno mundial.
Kivalina perdeu a primeira ação, os micronésios não decidiram se e como vão
dar cara legal à sua inquietação, e todos sabem que a conferência do clima
de Copenhague não produziu nenhum acordo internacional forte para combater a
mudança do clima. Mas especialistas do assunto apostam que ações como essas
só vão aumentar.
"Sem dúvida é uma tendência", diz o ministro Antonio Herman Benjamin, do
Superior Tribunal de Justiça (STJ), referência no direito ambiental.
"Inclusive no Brasil, onde o Judiciário começa a interpretar com 'outros
olhos' a legislação ambiental tradicional, sobretudo a de proteção de
florestas, de águas e licenciamento." Todas essas leis, lembra, "precisam
ser agora lidas numa perspectiva de mudança climática". Ou seja, impactos
antes minimizados na flora ou nos recursos hídricos deverão fazer parte de
uma análise maior, levando em conta alterações no ciclo de chuvas, por
exemplo. "O licenciamento, além dos fatores que normalmente considera, terá
que incluir esses aspectos em sua análise ou poderá ser questionado
judicialmente como incompleto ou nulo."
Embora movimentos como o da Micronésia ou de Kivalina façam lembrar o início
dos processos judiciais contra a indústria do tabaco, que surpreendeu a
opinião pública, para provar danos causados pelo aquecimento global existem
dificuldades longe de serem resolvidas.
É bem diferente do que acontece no caso de um acidente de trânsito ou da
poluição de um rio por uma fábrica. Com o aquecimento global as causas são
difusas e supranacionais. "Cada um de nós, em maior ou menor escala, dá sua
contribuição diária à mudança climática e deixa uma pegada de CO2", explica
Benjamin. Outra dificuldade é que o Direito historicamente associa danos
causados pelo aumento do nível do mar ou pela modificação da geografia das
epidemias a fenômenos naturais. Por fim, mesmo se a ciência climática diz
com c
luni, martie 08, 2010
Aquecimento global está chegando à Justiça
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